《MEMÓRIAS DE UM DEUS - Ficção [português]》GRAVE AMEAÇA - 5/324.819

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No tempo que corre a gente não percebe o quanto mudamos, mesmo que digamos: não tem jeito, sou assim mesmo.

Beliel desceu satisfeito, examinando com prazer aquele que um dia chamara de irmão.

Agora só conseguia ver apenas um simples gigante amarrotado e maltratado pela vida, perdido em pensamentos, sentado numa pedra velha e cheia de musgo na borda de um precipício, esquecido sob aquelas nuvens pesadas e apressadas, parecendo acossadas por algo que anunciava a vinda de alguma coisa intensa demais.

- Que visão patética para um anjo – Beliel cismou com desprezo.

> Então é mesmo verdade que agora você é um vigilante, tão desgraçado quanto nós, sobre os quais se julgava tão imponente, Lázarus? – saboreou. – Achei que acabaria por encontrar algum meio de reverter isso.

- Sabe que nem tentei, Beliel? Triste?

- Ah, sim, triste por você. Você está ciente de que agora pode ser morto, não sabe?

- É, tem muita gente me avisando disso ultimamente – sorriu.

- Que bom que sabe – saboreou - Agora você sente o que é ser traído, não sente? Sente isso no seu coração? – debochou sentando-se em um tronco de árvore que a última tempestade derrubara.

Lázarus suspirou, incomodado com a presença do outro. Estranhou o prazer e a morbidez com que ele se aproximara, acreditando que ele estava sofrendo. Sempre o julgara como um irmão, mas isso parecia que não era mais verdade. No entanto tinha certeza de que, se observasse bem, havia duas esperanças ali. A primeira de que talvez ele debandasse para o lado deles, de tão revoltado que estaria. Sem chance, pensou com prazer. A segunda era de que ele talvez tivesse encontrado alguma forma de assaltar o céu, alguma forma que eles pudessem seguir.

- Acho que ele já dúvida dessa – sorriu.

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> Não tenho a quem culpar, Beliel. Estou aqui por vontade própria. Minha família e Urântia têm uma ligação muito antiga e profunda... Na verdade, você bem sabe que era aqui que eu queria estar. Então, para mim está tudo bem.

- Você, sua família e esse maldito planeta.

- Um grupo e tanto, não é mesmo? Eu me lembro de tempos em que você se julgava parte da minha família – estocou.

- Muito tempo atrás, quando eu acreditava em vocês, antes que nos traíssem.

- Traição? Seu caminho, em um momento, se distanciou de nós. Não houve traição, houve incompatibilidade – declarou com a voz tranquila e um pouco ausente, como se aquele assunto não lhe fosse interessante.

- Ah, pode gritar que não, mas foi traição sim, e uma traição bem nojenta. Mas, sabemos qual foi a causa da traição de vocês: Urântia. Sempre ela, a magnífica Urântia, a maldita Urântia. Já pensou se ela não existisse? – falou baixo, se levantando.

Lázarus levantou o rosto e o observou atentamente. Agora sim, via algo preocupante ali.

- Algum pensamento idiota, Beliel?

- Ah, apenas possibilidades. Não são as possibilidades que nos colocam frente às escolhas? – sorriu sarcástico e cheio de fel.

- E você as viu com cuidado? – perguntou, a voz séria, sondando as mínimas linhas do rosto daquele ser doentio que um dia chamara de irmão. Sabia que ele ainda estava debaixo de toda aquela dor e revolta idiota, e que um dia iria retornar, mas agora não. Agora era só um demente que estava na frente dele.

- Ora, noto deboche? Uma evolução aqui... Maravilha. Ah, esqueci. Você também não consegue sondar além da quarta, não é mesmo? Mas, que pena – soltou, a voz sibilando bem lentamente, espessa de prazer. - Preso nessas duas dimensões escuras, dolorosas e malcheirosas, junto com esses animais que se julgam alguma coisa.

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- Já deveria saber que seu discurso de imbecil, ou mesmo parte dele, não me comove. Por que não vai embora? Vai, e tire qualquer pensamento idiota da sua mente – avisou, a voz pesada e lenta.

- Me ameaçando, caído?

- Bem sabe que não sou de ameaçar. Junte todas as forças que puder juntar, Beliel, se pensar em fazer algum mal à Urântia e às consciências do UM que aqui estão. E sim, esse é um aviso bem sério – falou, o tom duro e firme. Com bastante lentidão, enquanto examinava a cara tensa do outro, abriu as asas e, bem devagar, se elevou. Só quando estava bem alto girou e ganhou velocidade, tomando a direção do interior do continente.

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