《MEMÓRIAS DE UM DEUS - Ficção [português]》HOMENS E DRAGÕES DO REINO DO LESTE

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Que o fogo purifique os corações e as almas, que queime a escuridão e traga a redenção.

Ariel sentiu o sofrimento se irradiando pela face de Lázarus, e viu que era o mesmo que a atingia.

- Dois dragões negros – Lázarus reconheceu das alturas. – Parece que é um casal. Essa maldita ganância e superstição dos homens – reclamou, a voz tensa e com uma irritação controlada.

Em total silêncio fizeram uma curva no céu e tomaram a direção deles, em direção aos dois dragões que estavam presos no chão por estacas, guardados por dezenas de homens.

Sem perda de tempo desceram no meio deles, entre os dois dragões. Um deles ainda parecia vivo, apesar de se mostrar muito enfraquecido. Mas o outro já estava morto, confirmaram pelo enorme buraco em seu peito, por onde parecia que haviam retirado seu coração.

Ali a ignorância e a crendice dos homens, gemeu Lázarus novamente olhando-os com repreensão.

- Por que fizeram isso? – assustou-se Ariel.

- Eles capturam os dragões para retirarem suas escamas, as quais aplicavam em camadas de proteção nas armaduras, e os corações são muito procurados, porque acreditam que eles possuem imensas propriedades mágicas. Os que mais sofrem são os brancos e os branco de prata, pois suas escamas são as mais valorizadas para as armaduras dos reis e senhores feudais – explicou rodando os olhos pelos homens. - Pura e maldita ignorância e vaidade – sussurrou Lázarus, a voz ácida, o que fez os homens levantarem um pouco mais as trêmulas armas.

Lázarus sacou a espada e, levando o rosto para a frente, emitiu um som que explodiu centenas de metros além, lançando-os todos para os lados.

Ariel parou na frente dos homens. Com um movimento de cabeça os mandou irem embora, o que eles obedeceram muito depressa.

Sem tirar os olhos da criatura que ainda estava viva Ariel sacou uma espada e cortou as grossas cordas e correntes que a prendiam, que a mantinham total e dolorosamente esticada entre as estacas.

Com pesar viu um horrível ferimento, possivelmente de uma enorme lança, que chamavam de esporão, que perfurava todo o seu peito.

O esporão era uma arma terrível. Ele era lançado de uma balestra gigante de madeira, cuja corda grossa era feita de tendões de cavalos. O esporão em si era uma peça única de metal, medindo aproximadamente dois metros. Sua ponta era esgarçada, com enormes e proeminentes farpas, o que garantia que entrasse com enorme facilidade e fosse terrivelmente doloroso se o dragão tentasse retirá-lo com os dentes. Ele era retirado facilmente quando retirado pelo ferimento de saída.

O dragão se levantou lentamente, com grande dificuldade. Ele estava muito machucado. Claudicando tomou a direção de Lázarus e do animal caído, que o vigilante já tinha libertado das amarras. Tomado de dores o viram se deitar encostado no outro, fechando os olhos.

Em silêncio Ariel se aproximou e ajudou Lázarus nos passes curativos em seus ferimentos. Mas olhou desanimada para Lázarus, confirmando que logo tudo estaria consumado.

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Lázarus ajoelhou-se ao lado do dragão e se dobrou carinhosamente sobre sua cabeça, num dolorido abraço.

Ariel também se ajoelhou e abriu suas asas sobre ele, dando-lhe paz.

Quando ele morreu Lázarus se levantou e encarou a turba de dezenas homens que vinham contra eles, mostrando suas espadas e lanças, arrastando penosamente pelo campo suas pesadas máquinas. À frente vinham dois magos, cada um carregando um pote onde se via um coração de dragão imerso em um líquido âmbar, como fonte de poder.

Ariel viu Lázarus se erguer pesadamente e caminhar até eles, que ficaram parados, indecisos sobre o que fazer.

Lázarus viu as maquinas que atiravam imensas lanças para abater dragões pararem atrás do grupo, seus rangidos parecendo gritos lamentosos.

Então tudo ficou em silêncio, a respiração pesada dos homens, os olhos temerosos presos nos anjos.

Lázarus olhou para além deles, para o castelo de pedra. Por toda a ameia, adarves e pelos brilhos de metal nas seteiras notava a forte apreensão dos homens.

Ao ver todo esse medo seu coração se aquietou, e na maldade viu apenas medo e ignorância.

- Por que? – gritou para o exército e para o castelo.

Com passos indecisos um homem se destacou e avançou, a espada e o escudo tremendo em suas mãos.

- Nobre anjo, apenas nos defendemos – balbuciou, o medo terrível transparecendo em seus olhos.

- Deles? – espantou-se, o braço esticado para trás na direção dos dragões mortos. - Esses eram dragões dóceis. Os dessa espécie só atacam quando são atacados, e vocês sabem disso. Quem ordenou o ataque a esses dragões? – perguntou, a espada iluminando-se perigosamente.

O homem, totalmente apavorado, moveu os olhos, indicando que teria sido um dos magos.

Lázarus passou pelo homem, parando à frente dos magos. Foi então que viu que em um dos frascos estava um coração ainda fresco. O sangue vermelho ainda manchava o líquido que o conservaria

- Ariel, os dois estão com os corações?

- Não. O que já estava morto quando chegamos teve seu coração arrancado – contou Ariel se adiantando e se postando ao seu lado, as espadas ao longo do corpo.

- Acham mesmo que esses corações vão protegê-los? – perguntou, a voz fria dirigida para os magos, que suavam descaradamente.

- Ariel, pode manter nossos amiguinhos ignorantes aqui?

- Ah, mas é claro que sim. Eles vão ficar bonzinhos – falou, girando nos punhos por duas vezes as espadas.

Lázarus, lentamente, passou no meio do exército, que lhe abriu caminho em silêncio, se virando para acompanhar seu caminho até o castelo, que apressadamente elevava a ponte levadiça.

Lázarus parou à frente do foço, de cara para o portão fechado. Levantou os olhos para a torre de menagem, de onde tinha certeza de que o senhor daquele feudo o observava.

- Fale comigo ou derrubo sua torre – falou alto, a voz fria e ameaçadora.

Aguardou pouco tempo, vendo movimentos apressados pela torre. Então eles surgiram no alto do prédio, na ameia, um dos homens cercado por muitos outros.

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- Senhor, não sabíamos que eram seus amigos – veio de longe a voz apavorada.

Um só impulso, e Lázarus desceu no alto da torre, os olhos fixos no homem.

- Todos os dragões daqui são meus amigos. Então, quero que me explique: por quê?

- Eu... Eles atacaram e destruíram duas aldeias aqui perto, senhor. Apenas nos defendemos.

- Não sou contra a defesa, mas esses ali embaixo não foram os que os atacaram. Vocês devem saber que eles são dóceis, e só atacam quando são atacados. Então, vou perguntar de uma outra forma: quem atacou primeiro?

- Eu... Eu só me defendi – repetiu. – Os meus magos disseram que foram eles e...

Nem bem ouvira isso Lázarus sentiu o momento em que Ariel cortou os dois magos com apenas um movimento.

No total silêncio que varria o castelo e os campos sentiu que ela quebrava os potes com um pé e se dobrava, recolhendo os corações.

Lázarus não tirava os olhos do senhor daquele feudo quando Ariel colocou o coração no peito do dragão que morrera primeiro.

Com uma concussão do pulso Ariel empurrou os dois dragões para a terra, onde os sepultou.

- Não se movam daqui – ela falou para o exército, enquanto num salto pousou ao lado de Lázarus, para terror dos que estavam ali.

- Você sentiu, quando os magos foram mortos?

- Sim... – confirmou, se aproximando ameaçador do senhor feudal. – Essa terrível ganância te pôs a perder, como porá a perder toda essa terra, como perdeu os seus magos. Os dragões que mantém aprisionados não merecem passar pelo que estão fazendo com eles. Mande soltá-los – ordenou.

- Mas, senhor eu... Se os soltarmos eles podem destruir todo o castelo e... Se nos der um tempo para abrirmos uma passagem...

- Mande soltá-los agora... – ordenou, a voz ainda mais fria e perigosa.

- Solte-os – o senhor do feudo gritou tomado de urgência, os tremores correndo apressados pelo seu corpo.

Em completo silêncio os vigilantes ficaram quietos ouvindo sons de correria para as profundezas do castelo enquanto muitos dos que viviam ali fugiam apressados pelo portão agora aberto, para os espaços da planície. Barulhos ao longe de grilhões e correntes, e então sons de urros e de passadas pesadas e secas.

- Você não – Lázarus avisou ao senhor do feudo, que permaneceu como uma pedra, enquanto todos os outros debandavam torre abaixo, assim que o primeiro estrondo de algo se batendo contra as grossas paredes de pedra foi ouvido.

Então outro estrondo, e mais outro, cada vez se intensificando o som de pedras caindo e se estraçalhando uma na outra.

Lázarus não sentiu a mínima dor enquanto seguia os olhos do senhor daqueles campos, desmesuradamente abertos e tomados de terror, despencando junto com os escombros da torre que era posta abaixo. Os gritos do corpo enquanto estava sendo quebrado e retalhado pelas pedras nada lhe diziam.

Ariel e Lázarus permaneciam flutuando no mesmo lugar em que estavam sobre o chão que não existia mais quando os três dragões, um sombra, um branco e um branco de prata, se elevaram dos escombros. Eles pareciam enfraquecidos, os olhos furiosos, até que deram com os vigilantes, na frente dos quais ficaram parados no ar, percebendo quem os havia libertado.

- Venham conosco – Lázarus pediu, se elevando e pousando na frente do exército e dos moradores do castelo, que se mantinham em pesado silêncio.

Assim que os três dragões desceram, um sussurro apavorado ressoou pelos presentes, que ameaçaram recuar tomados de pavor. Se acalmaram quando viram que os dragões fecharam as asas e se mantinham quietos, atentos aos modos dos anjos. Resolveram ficar em total silêncio e sem qualquer movimento impensado. Sabiam que, se os anjos ordenassem, os dragões teriam o maior prazer em queimá-los até os tornarem torrões de cinzas.

- Mentiram para vocês, quando lhes disseram que deviam temer esses seres. Esses são nobres, e estavam aqui muito antes que vocês fossem criados. Por ignorância os prendem, acreditando que podem roubar seus poderes; por ignorância os temem, pelo poder e força que eles possuem, e por arrogância os caçam, achando que tudo o que existe, existe apenas para que deles se sirvam. Que aprendam, porque é para isso que estão aqui, nesta terra. Vocês precisam aprender – falou se elevando e partindo para uma alta montanha que a leste do castelo se avistava.

- Eles são ignorantes e arrogantes – falou, a vista perdida ao longe.

- Essas terras não são seguras para vocês. Acho que nunca serão – Ariel falou, os olhos postos nos três dragões.

Dois deles estavam sentados, a pose majestosa e tranquila. Mas um deles, o branco de prata parecia muito irritado. Seu aspecto, em comparação com os outros, era o pior: várias escamas lhe foram tiradas, e havia muitos ferimentos em sua nuca e ao longo do pescoço, que desconfiaram terem sido produzidos por pesados anéis de ferro.

- Aqui vocês têm uma escolha – Lázarus falou, tirando os olhos do branco de prata. – Podem deixar sua raiva, ódio e vontade de vingança correr para fora de seus corações ou podem, simplesmente, partir. As terras a oeste daqui são um belo e aprazível lar para todos vocês, e lá se sentirão felizes e em paz. A decisão que tomarem aqui definirá o futuro de vocês. No entanto, independentemente da decisão que tomarem, peço que espalhem isso pelos seus, porque aqui nunca terão paz, até que morra o último de vocês.

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