《MEMÓRIAS DE UM DEUS - Ficção [português]》A PURUMANA - 5/324.818

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Posso não ter o poder que você demonstra, mas é fácil perceber que a minha alma é muito mais forte que a sua.

Valentina segurou a mão dele e a girou com força. O ser, pego de surpresa, gritou e girou o corpo, repuxando-se para baixo. Ela o puxou de vez, derrubando-o no chão, enquanto o chutava com violência no rosto.

Um dente e muito sangue foram lançados como uma lâmina irregular, se espichando pelo ar, até cair sobre o chão atapetado da floresta.

Ela se virou e se preparava para fugir quando foi brutalmente agarrada pelo pescoço. A dor a fez sufocar, enquanto era levantada do chão e atirada rispidamente contra alguns arbustos na beira da praça da trilha.

Totalmente zonza de dor ameaçou se levantar quando o ser, agora totalmente poderado, se pôs raivoso à sua frente.

- Uma purumana[1] idiota e fraca. Que coisa estupida pensar em resistir – cuspiu o ser. - Por isso não vai ser tão bom para você quanto poderia ter sido se tivesse cooperado. No entanto, confesso que para mim será ainda mais prazeroso.

Valentina viu que sua faca e o arco estavam fora de seu alcance. Ainda vasculhava o ambiente, procurando algo que pudesse usar para tentar se safar, quando o viu descer em completo silêncio às costas do nefelin.

Pela forma que ele caíra sabia que fora de alguma altura, mas mesmo assim, admirou-se do silêncio com que ele tocara o solo.

O que ele era ela não sabia, mas os olhos fixos dele nas costas do nefelin lhe diziam que, por algum momento, estaria salva. Só ficava rondando sua mente a questão se a sorte não lhe trouxera algo pior que o nefelin.

Ele era um sujeito grande de pele marrom luzidia, olhos azuis de um forte azul-turquesa, cabeços ruivos que se mostraram leves e macios quando foram tocados pela brisa suave que ali corria, com grandes ondas que ele mantinha até a altura dos ombros. Seu rosto era quadrado e se mostrava duro. Ao lado da coxa viu uma espada presa, e desconfiou que era uma espada de poder.

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Então, como se por vontade daquele ser, o ar se tornou diferente, o que acendeu no nefelin o alerta.

Ele se virou todo orgulhoso e arrogante, pronto a matar quem se aproximara.

Ao dar de cara com aquele ser estranho, sorriu satisfeito.

- Vá! – Valentina ouviu. E a voz era algo tenebroso, frio e cheio de ameaças. Mas, em seu íntimo, ela se disse que era a voz mais linda que um dia ouvira.

- De forma alguma – ela reclamou levantando-se, pegando do chão sua faca e segurando-a firmemente na mão. – Daqui ele não vai sair com vida.

- Mas quem disse que ele vai sair vivo daqui? – o estranho disse, abrindo um sorriso para o nefelin, que lentamente percebeu que estava com problemas.

O estranho ser apenas ficou olhando quando ela correu, a faca abrindo um corte profundo na coxa do nefelin, que urrou de dor e raiva, a garra tentando atingi-la. Ela caiu no chão, girando. Quando se ergueu novamente, já levantava um arco todo armado que recuperara do chão. Uma seta atingiu o nefelin no ombro. Com movimentos rápidos ele conseguiu se esquivar das outras duas.

Quando ele se preparava para atacar a purumana viu, pelo canto dos olhos, que o estranho ser se movia. Mas ele foi rápido demais. Assim que sentiu as garras entrando e se espalhando por toda sua garganta soube então, que tudo acabara.

O ser atirou o nefelin para longe, os modos silenciosos e tranquilos. Passou os olhos pela purumana, conferindo que ela estava bem.

Sem qualquer palavra se virou e começou a se afastar a passos medidos. Ainda estava perto quando ela o chamou.

- Eu acho que agora é o momento em que devo te agradecer – ela falou.

Ele parou, indeciso se deveria lhe prestar atenção.

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Resolveu que não.

Deu mais dois passos, quando novamente ela o chamou, agora mais de perto.

- Meu agradecimento não é bom o bastante para você?

Ele ouviu aquele tom gentil e suave. Respirou fundo e se virou.

Ela tinha a pele morena suave. Era alta, longilínea, pernas esguias, rosto afilado e suave, boca grande e carnuda, toda vermelha. Seus cabelos eram lisos e tão negros que pareciam azulados, que lhe chegavam até as omoplatas. Ela os trazia amarrados em meio rabo de cavalo. Seus olhos eram negros como a noite, brilhantes como jabuticabas, guardados por longos cílios que lhe emprestavam um ar maravilhoso. Ele percebeu um sorriso manso e suave, daqueles que cativavam quem o via. Tudo mostrava que ela era uma guerreira ágil, mas não para aquele tipo de gente, verificou.

- Acho que deveria ir embora. Os caminhos até a aldeia estão desimpedidos, apesar de ter certeza absoluta que poderá se ver com qualquer problema que porventura apareça.

- Como sabe de que aldeia sou? Eu posso estar caçando por aqui, longe de onde eu moro – retrucou com ar divertido.

- Eu te conheço. Já te vi algumas vezes por aqui. Agora deve ir. Aqui está perigoso.

- Acha que eu não poderia dar conta desse aí? – perguntou, fazendo menção ao nefelin abandonado no solo.

- Você certamente é uma guerreira formidável, mas ele era algo mais.

- E o que ele era?

- Um nefelin, mas não um qualquer. Ele é filho de um anhangá com uma cainamé. Ele não poderia ser vencido facilmente. Com ele você não teria chance, teria sucumbido muito rápido se ele não tivesse perdido tempo em brincar com você.

- Então você acha mesmo que ele estava se divertindo? Você acha mesmo que ele estava me tratando como um brinquedo, é isso?

- Sim, é isso mesmo. Mas, não se sinta ofendida; poucos dariam conta dele – repetiu, a voz pausada e límpida. -

- Então você acha mesmo que eu não teria dado conta dele, é isso? – perguntou com um sorriso, que ele confirmou ser realmente cativante.

- Ele não poderia ser contido nem por uma humana e nem por uma pessoa normal – confirmou, dando mostras que se ia embora.

- Então, o que é você, que o destruiu com tanta facilidade?

- Alguém que todos aceitam odiar – falou sumindo de súbito, para surpresa de Valentina.

[1] (*)

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