《MEMÓRIAS DE UM DEUS - Ficção [português]》A GUERRA DA SEXTA ERA – segunda guerra de anjos e demônios – 94.842

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Mais um passo, só mais um, sem pensar se esse será o último. A fila dos passos sobre os quais avancei já está bem grande. Mas, quem liga? Só mais um passo...

I

Emanoel examinou o lugar que Ariel e Lázarus lhe mostravam em total silêncio, para não serem descobertos. A caverna parecia ser imensa, e ela estava arrumada em quatro níveis profundos. Flutuou sua consciência para baixo e viu os demônios. Eram centenas, milhares deles, se movendo nervosos, como se soubessem que algo grandioso estava para acontecer.

Subiu novamente sua consciência envolvendo o mundo e as outras dimensões.

Sem que dissessem qualquer palavra se elevaram e saíram da montanha, descendo aos pés da muralha onde os seus estavam acampados.

- Vocês já sabiam, não sabiam? – perguntou Sol, assim que eles retornaram.

- Desconfiávamos... Sabem, há muitos motivos por que esse planeta é tão especial – falou sentando-se, junto com todos os outros. – Nos batemos com eles nos espaços profundos. Muitos mundos e sistemas foram destruídos. Com muito sacrifício, paulatinamente os fomos empurrando, limpando vastas áreas. Mas, é sempre aqui que eles se esforçam em permanecer, em dominar. É como se entendessem que aqui é a experiência máxima – sussurrou.

- Parece que, cada vez, a guerra se torna mais cruel. A primeira guerra entre os anjos e os demônios não foi no nível nem mesmo da nossa guerra contra os dahrars, nem a última, das pessoas e homens – relembrou Lázarus, sob os olhares curiosos e atentos dos outros.

- Acho que estávamos aprendendo a guerrear. Há muita destruição, por todo o multiverso.

- Mas, estamos vencendo, não estamos? – quis saber Sol.

- Sim, a luz está vencendo. Há muitos bolsões, onde os demônios serão mantidos. Mas, acho que aqui vai ser um dos últimos refúgios da escuridão. Parece que aqui vai ser travada a luta mais dramática.

- Eles não serão permitidos aqui, não é? Ou vão? – se assustou Valentina.

Seus olhos passearam pela floresta ao lado e para as montanhas além. Levantou o rosto, sentindo a chuva que caia. Desejou estar um pouco além, perto daquela gigantesca nuvem, dentro daquela escuridão, vendo os raios caírem.

- Ainda não sabemos, mas é bem provável que sejam deixados aqui, com algum controle. É fato que eles estão se concentrando por aqui – revelou.

Todos ali se mostraram preocupados, denunciando no rosto o temor pelo planeta.

- Pois eu penso que, se isso está acontecendo aqui, se isso foi permitido acontecer aqui, é porque só nós podemos dar conta disso – disse Valentina. - Afinal, escuro ou não, todos eles não são o UM, como vocês insistem em dizer?

Emanoel virou-se para Valentina, os olhos avaliando tudo o que ela dissera, e tudo o que não fora dito.

Sorriu feliz.

- Que bom que pensam assim, que bom que essa é a crença de vocês...

- Por que? Isso está errado, anjo? – cutucou Sol.

- De forma alguma. Isso me deixa bem, porque essa é uma das verdades ocultas. Que bom que sabem dela.

- Nas montanhas ao oeste, ao lado do grande lago onde o arquianjo prendeu Trevas e Escuridão, há uma cidade. Ela foi construída por alguns anjos, logo no início dessa era. Em dois dias haverá uma reunião lá. Gostaria que fossem.

- Lógico que estaremos lá. Obrigado, Emanoel – agradeceu Lázarus, o rosto sério e preocupado, passando os olhos pelos outros.

II

- Já começou, meus amigos – falou o arcanjo com a voz séria. - Os demônios saíram de seus covis e parecem determinados a seguir algum plano – anunciou Emanoel, os olhos percorrendo toda a assembleia. – Nos espaços além desse mundo a guerra está cruel, e ela está vindo para cá. Que se preparem, todos vocês, porque ela será terrível demais.

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- E os dois aqui presos? – perguntou um dranian.

- Ainda estão ali, como podem sentir. Mas..., nos parece que há algum poder agindo nesse mundo. Montamos uma esfera de defesa em torno do lago, mas não sabemos com o que estamos lidando. Todo cuidado é pouco – falou.

Lázarus abraçou mais fortemente Ariel.

- Estou muito cansado dessas guerras. Fico me dizendo, só mais essa, e tudo vai ficar bem – ouviu um anjo enorme falar ao lado.

Lázarus, como se fosse ao longe ficou ouvindo a resposta, e outra pergunta e outra resposta, e seu espírito se calou. Então, tentando não parecer desanimado puxou Ariel para fora, a mente distante. Os dois, imersos em seus pensamentos, se encaminharam para onde estavam os amigos que, tal como eles, haviam ouvido parte dos discursos, e sabiam bem o que estava vindo e o que estava sendo pedido para todos, como se o não atendimento a eles os pudesse preservar de algo. Não eram pedidos, eram avisos, sabiam.

- Então, mais uma guerra – falou Mulo.

- Ela já era até que esperada, não era? – riu Valentina.

- Sem dúvida que era. Tudo levava para esse caminho – concordou Avenon, os olhos passando rapidamente por Sol, que se remexeu um pouco incomodada ao seu lado.

Ariel sorriu.

- Essa juventude abobalhada – riu por dentro, tirando os olhos dos dois.

- Você sabe o que está acontecendo, Lázarus – Ariel perguntou, enquanto todos se calavam e prestavam atenção no AsaLonga.

- Outros também sabem, meus amigos. Há grandes poderes se apresentando, tentando se decidir, e não só anjos e demônios e dahrars.

- Do que você está falando? – Sol perguntou quase em um murmúrio.

- Das mutas, meus amigos... Dependendo do que decidirem, o mundo pode mergulhar em momentos de trevas, e nada ficará fora dela – suspirou pensativo.

- Você conversou com Emanoel, sobre elas?

- Sim, Ariel, nós conversamos. Mas, as mutas são um caso especial. Assim que elas se puserem a descoberto não haverá como pará-las...

- Nem mesmo os anjos podem?

- Ah, eles poderiam sim, Valentina, mas o custo seria muito alto. Elas são como que uma expressão bruta do próprio Trovão, e elas foram feitas assim. Emanoel, como todos nós, apenas poderá ficar observando, e então reagir, mas não contra elas.

- Então a guerra está vindo mesmo?

- Sim, Avenon, Está. E essa será, ao que tudo indica, a segunda guerra entre anjos e demônios...

III

- Sério? – Ariel o observou, incrédula. – Mas, Emanoel, como ficarão as coisas por aqui? Tudo está caindo... Trevas e Escuridão estão soltos, libertados que foram pelas mutas, mais demônios estão chegando pelo portal e... Thiahuanaco está sob ataque, e duvido que possamos mantê-la...

- Esta cidade dificilmente poderá ser mantida, meus amigos – ele revelou. – Vocês já sabem disso. Ematiel já assumiu seu lugar como comandante. Eu vou ter que ir, e vocês também...

- Nós? – Sol o observou espantada. – Mas, somos necessários aqui...

- As terras baixas devem ser preparadas, meus amigos, e são vocês que farão isso. Se as montanhas caírem, como parece que vão cair, as mutas que puderem ser colocadas longe deles deverão ser colocadas nas terras baixas e lá ocultadas. Vocês precisam estar lá.

- E você?

- Tenho que ir, Lázarus. As sombras se mostraram, e a federação está sob violento ataque, pois um novo império escuro se levantou, e ele se mostra muito poderoso. Derfla precisa de ajuda.

- Entendemos – Lázarus murmurou, baixando os olhos para a cidade. – Ematiel já sabe, sobre você e nós?

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- Ele mesmo aconselhou que partamos, e o mais rapidamente possível.

- Assim será... Akindará, Emanoel. Que suas batalhas sejam gloriosas.

- Akindará, meus amigos. Que a luz de vocês continue a brilhar nas trevas que avançam. Vamos nos ver rapidamente – falou se elevando com suas legiões, enquanto Lázarus e Ariel, juntamente com todos os voadores, tomavam os guerreiros de seu exército que não podia voar e se viravam para as terras baixas.

Os dias se foram, com todos os preparativos e proteções, com as montagens dos totens de poder, com a organização dos danatuás e os locais onde as mutas que se dispusessem a acompanhar seus companheiros pudessem ser alojadas e ocultadas.

Algum tempo depois as notícias que tanto temiam começaram a chegar.

Thiahuanaco sofria enormemente ante os demônios.

Muitos morreram naquele dia, na defesa da cidade. Mas, como era esperado, ela não resistiu. Acossados os anjos e pessoas e homens foram empurrados montanha abaixo, sendo perseguidos cruelmente pelos demônios e seus aliados, a maioria dahrars e nefelins demônios.

Mas, isso também já era esperado.

Com violência eles se bateram com as muralhas de proteção, logo aos pés da cadeia das montanhas.

Os danatuás estavam lá, esperando.

O mundo já vira uma guerra como aquela, que envolveu os mundos e as dimensões, e também a própria Gaia. Mas essa era totalmente diferente. Batidos nos outros mundos, foi aqui, em Gaia, que eles se armaram mais fortemente.

IV

- Quanto tempo para o fechamento da quarta dimensão? – Emanoel perguntou.

- Estamos nos empenhando nisso, senhor – revelou um grande anjo de guerra postado ao seu lado.

Emanoel inspirou profundamente.

A guerra na terceira dimensão até que estava sob controle. Mas, era a quarta que o preocupava.

De lá muitas formas pensamentos assaltavam esta dimensão e a punham em comoção, botando a perder muitas estratégias de defesa, e até mesmo de ataque. A escuridão não tinha pejo em tomar certas atitudes.

- Se apresse então – pediu. – Esta dimensão está sendo assaltada com muita violência. Temos que fechar essa frente o mais rápido possível.

- Assim será feito – avisou, se afastando apressadamente.

Lázarus desceu com grande impacto sobre o gigante, estraçalhando seu ombro. O grito de horror e dor foi imenso, e os demônios se viraram para lhe fazer frente.

Quando a turba avançou Sol se encandeceu com violência, tendo ao lado um gigante felino, enquanto Mulo se enegrecia e aumentava de tamanho, um gigante de neblina, farpas se revolvendo à volta, envolvendo até mesmo uma pequena humana, que se firmava nos apoios, pronta para fazer frente aos demônios que avançavam desvairados de ódio.

Os anjos que haviam sido cercados se refizeram na esperança quando os viram e se ergueram orgulhosos.

Lázarus viu Ariel ao lado sumir num impulso para dentro da muralha que avançava, enquanto Avenon se poderava em tudo o que era e corria em seu encalço.

Sem perda de tempo abriu uma segunda frente de batalha, se afundando no meio dos demônios e dahrars que tentavam cerca-los. Sorriu ao ver a bela flor-do-fogo ao seu lado, selvagem, irresistível.

Tomado de uma energia que não experimentava há muito tempo rugiu dentro de toda aquela destruição, se sentindo maravilhosamente bem. Então, como se fosse parte de uma música, ouviu os outros de sua família rugindo de fúria.

Algo passou ao seu lado, um pequeno ser envolto em sombras. Quando observou, mesmo que de relance, entendeu o que acontecera: Valentina recebera de Mulo uma pequena parcela de poder, e combatia como uma verdadeira dêmona.

Algumas horas depois quando aquela batalha acabou, sentiram que não havia motivos para comemoração. Seus corações pesaram ao verem aquele imenso campo de morte.

Valentina viu Mulo se agacharam ao lado de um dahrar, que agonizava.

Ela se aproximou e o viu tomando conta dele. Havia raiva e ódio nos olhos daquele ser, mas ela percebeu que a loucura neles deveria ter sido bem maior.

- Você não está sozinho... – ouviu Mulo dizer enquanto se envolvia numa suave neblina acinzentada que suavizava a dor que atormentava o monstro sem, no entanto, lhe fornecer algum poder. Com interesse viu a confusão e surpresa nos olhos do dahrar.

Valentina se ajoelhou ao seu lado, no meio daqueles corpos, e ficou em silêncio.

Quando o dahrar partiu Mulo a observou com intenso carinho.

- Que bom, meu amor – disse Valentina numa voz suave e cativante. - Os olhos dele sorriam quando ele se foi. Uma semente... Aposto que ela vai florescer algum dia – falou, se apoiando em seu braço.

Lázarus viu os dois e sorriu, e ficou feliz quando viu Ariel, Sol e Avenon ajudando muitos feridos, e não apenas os que haviam lutado ao seu lado.

Sem pressa subiu alto, muito alto no céu azul, e vasculhou toda a terra. Com satisfação viu que os demônios estavam sendo empurrados de volta para as montanhas.

Tomado de esperança viu que, talvez, a guerra, essa longa e terrível guerra, logo terminaria.

Então Emanoel surgiu ao seu lado, acompanhado de muitos anjos e algumas pessoas demônios, e de alguns poucos dahrars.

- Foi uma vitória muito importante – parabenizou. – Precisávamos bloquear essa passagem. Agora, eles terão que contornar mais para o sul, mas por lá não terão sucesso.

- E a quarta? – perguntou, uma dor em sua voz. – Ela está irreconhecível.

- Ela foi isolada. Acho que, por muito tempo, terá que ficar assim. Só a escuridão e o tormento vivem lá...

- Então, não mais a dimensão dos sonhos e das belas formas-pensamentos...

- Não como antes, meu amigo. Alguma coisa continuará assim, para as almas mais iluminadas. A escuridão não tem poder sobre esses, e a quarta em nada estará mudada. Mas, para os que tem medo e dúvidas, lá será um lugar de pesadelos.

- O que o atormenta, Emanoel?

- Sinto no ar, sinto por toda a terra. Alguma coisa está para acontecer.

- Também sinto – confessou. – É como se um predador estivesse à espreita, aguardando o momento exato para alguma coisa.

- Nunca vi nada assim, Lázarus. Alguma coisa muito séria ainda vai acontecer – repetiu preocupado. - Gaia foi manchada até as suas fundações.

Lázarus tirou os olhos do anjo, tentando relembrar o que presenciara apenas como blocos de informação.

A iniquidade que fora posta à mostra era muito grande para ser ignorada.

Dahrars de alto poder foram a ponta mais aparente, torturando e estuprando e se alimentando de homens e pessoas. A selvageria deles fora o que mais se destacara, até mais do que a dos próprios demônios. E, tanta selvageria e horror como aquele até mesmo tiravam o valor de qualquer vitória alcançada.

- Essa guerra será tão rápida quando a guerra dos homens e pessoas – vaticinou Lázarus, - devido à extrema selvageria e descaso com a vida como foi travada. Mas, confesso que também temo pelo que está para acontecer. Dá para sentir que algo está se formando no horizonte, e não está muito longe. Acredito que o diferencial dahrar determinará o que está vindo...

- Dahrar é uma condição, não uma espécie, que nem mesmo eles se reconhecem assim – sussurrou Emanoel à brisa quente e sanguínea que parecia correr no mundo. - Eles defendem um outro dahrar, quando for confrontado por algumas hostes, mas é só isso. Essa parecia ser uma verdade, de não serem vistos como como uma espécie, e todos eles sabiam disto. Mas, concordo: a maldade vista neles foi algo... sem medida. Essa guerra logo vai acabar, tal como as outras: sem resolver e aliviar as sementes plantadas, que germinarão em novas guerras no futuro. As mágoas aumentaram, a sede por poder aumentou, os dahrars não foram extintos, o despeito, inveja, ruína e corrupção continuam no mundo.

E foi assim que se deu.

Não demorou muito mais, e logo a guerra terminou, com a escuridão sendo contida, enquanto Trevas e Escuridão eram mantidos sobre as montanhas. Mas, a tranquilidade e a paz não vieram, e nos corações de todos flutuava a mesma questão: que repercussões ainda teria essa guerra? É logico que era sabido que essa guerra não resolvia tudo o que estava pendente, muitas das questões até mesmo aumentadas em seu nível de intensidade, como os demônios entrincheirados no planeta e a condição dos dahrars e das pessoas demônios de alto poder, como os muitos juguenas que tomaram partido dos demônios deixavam bem claro.

- As guerras não resolvidas apenas semeiam guerras à frente. As guerras eram apenas sementes para as próximas guerras, como assuntos mal resolvidos que sempre eram. A primeira guerra demoníaca semeara a guerra com os dahrars, que semeara a guerra de homens e pessoas, que semeara a segunda guerra demoníaca. Como será chamada a próxima? – ficou Lázarus se perguntando.

Então, logo as montanhas do leste foram declaradas isoladas, e qualquer portal de passagem que lá houvesse foi ocultado por artes angélicas, o que deixou os demônios irremediavelmente presos lá, visto que não eram mais capazes de passarem para lugares mais distantes, até mesmo nos negros espaços.

A dúvida permaneceu nos corações de todas as criaturas sobre os desdobramentos e consequências dessa guerra, até que os sinais foram, lentamente, surgindo.

O Trovão estava triste, e sua face podia ser sentida perto do horizonte onde uma fresta vermelha não se ocultava.

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