《MEMÓRIAS DE UM DEUS - Ficção [português]》A GUERRA ENTRE PESSOAS E HOMENS - 324.840

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Nada é tão simples como deveria ser. O que move com tal força alguns a desejarem ter o poder sobre outros? Isso é insano demais.

I

Safiel examinou os presentes, preocupado com os desdobramentos que estava tomando a guerra contra os dahrars. Como previsto, muitos tentavam manipular esses caminhos para que fossem os que iriam mais lhes favorecer.

Apesar de haverem conseguido enorme sucesso em isolar e diminuir a importância dos dahrars, agora o verdadeiro jogo começava, pois que tudo se colocava na vitrine. Quando há muitos jogadores num tabuleiro, mais estranho o jogo pode se mostrar. Ele via isso a cada movimento.

Aparentemente a raça das pessoas demônios e fantasmas se aproveitaram rapidamente em insuflar uma guerra geral contra os humanos, dizendo em altos brados que era sobre os humanos que caía a culpa pela queda de todo o mundo, e que eles não deveriam existir mais, bem como circulava uma visão de que os próprios dahrars eram uma resposta ao surgimento dos nefelins. Todo o mal, até mesmo a queda dos anjos, era culpa dos humanos, segundo afirmavam.

- Juro, é difícil de acreditar que o bom senso não possa existir numa dimensão densa, mesmo numa como esta.

Lázarus olhou para Ariel, que tinha os olhos parados, enquanto mantinha Valentina em um grande e apertado abraço, que tinha a cintura enlaçada por Sol. As três estavam ali, aninhadas, felizes, apesar de toda a tormenta que havia em torno delas. Elas sentia, estavam abatidas, mas se confortavam entre si.

- Eu estive lá quando as pessoas surgiram, e elas ficaram felizes e orgulhosas. Eu estava lá quando elas criaram aquelas pequenas cabeças de barro, das quais o Trovão se aproveitou para criar os homens, porque os achou belos e queria parabenizar as pessoas dizendo-lhes que elas sabiam criar coisas bonitas. Mas as pessoas ficaram enciumadas, como os anjos também ficaram, quando os homens foram criados, pois eles passaram a acreditar que o Trovão ama mais os homens que as próprias pessoas, as criadoras delas. Mas, felizmente, não são todas as pessoas que pensam assim – Lázarus cismou esperançoso.

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- Bem, você está há muito tempo aqui, então tem propriedade para dizer isso. Sabem que isso vai polarizar todo esse mundo, não sabem? – Safiel perguntou para todos na assembleia.

- O que vê no futuro, Safiel? – perguntou um velho curupira, a voz como o vento gentil no taquaral.

- Uma guerra terrível, na qual todos tomarão partido.

- Todos? – gemeu uma mãe-da-mata.

- Sim.

- Até mesmo os dragões?

- Até mesmo eles – sussurrou, uma dor estranha que chamou a atenção de Lázarus. – Será uma guerra cruel. Só esperemos que o UM não precise intervir.

- Será uma guerra longa? – perguntou Valentina.

- Será muito curta, muito rápida. Mas será de uma crueldade poucas vezes vista – Safiel declarou com pesar. – Talvez ela termine antes que o próprio sol volte à posição que agora ocupa.

II

Lázarus se mostrava desconsolado no alto de uma montanha nas Montanhas Sombrias, abraçado a Ariel. Havia dor em ambos, ele sabia, enquanto via três anjos caindo sobre as montanhas ao leste. A loucura em que haviam mergulhado, em que o mundo mergulhara, era algo incompreensível. Como se o mundo fosse envolto em inúmeros assuntos não resolvidos, a guerra entre homens e pessoas servira apenas como estopim, como uma fagulha no capim seco.

O mundo incendiou-se rapidamente, tudo se misturando em uma sanha assassina. E, por mais surpreendente que possa ter sido, até mesmo muitos demônios partiram em defesa dos homens, mostrando uma honra que alguns das outras espécies estavam longe de demonstrar.

Contava-se aos milhões os mortos, e outros tantos ainda obrigados a partir. Crianças, adultos e velhos eram imolados de uma forma cruel e insensível, sem qualquer distinção de sua origem. E eram dahrars, nefelins, homens, dragões, pessoas e anjos e demônios; nenhum sendo deixado de lado, ou poupado.

Agora ali estava novamente, a consequência de tanta maldade.

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Das pessoas foi retirado o poder de criar, o que se explicava por uma limitação de acesso às mais altas dimensões, e uma nova queda dos anjos fora decretada. Isso acontecera quase que no início, quando grande número de pessoas intentou criar seres formas pensamento densos contra os humanos. Mas, a grande maioria das pessoas achou isso uma boa coisa.

No entanto, a maldade fora imensa, pois muitos seres trabalharam arduamente para destruir os homens, e eles quase haviam obtido sucesso em seus intentos.

Não sabia quando um julgamento fora realizado, nem quando as sentenças foram proferidas mas, ali, estava uma nova queda dos anjos para a terra.

Os lamentos pareceram crescer no céu, nas lavaredas dos novos anjos que caiam dolorosamente do firmamento que o sol abandonava.

Lázarus tirou a atenção de seus pensamentos, deixando-se apenas ficar a seguir os anjos que caiam, tal como Ariel, que agora parecia relembrar toda a saudade e dor de que acreditara ter se esquecido.

Levaria muito tempo para que as magoas cicatrizassem, mas, ao menos, o mundo teria alguma paz, durante algum tempo.

- Afinal, quem iria se arriscar a mostrar ao Trovão seu descontentamento? – sorriu, vendo um grande anjo de fogo se elevar da terra e tentar voltar para o céu.

- Isso não vai acabar, não é mesmo? – ouviu o lamento de Ariel, que seguia o mesmo anjo ser enxotado novamente para baixo.

- Uma nova guerra vai nascer dessa, é quase certo. Essa guerra não acabou por decisão dos que se batiam, mas por imposição.

- Acha que o Trovão não sabia disso? – gemeu.

- Claro que Ele sabe – ele sorriu por fim, dizendo a si mesmo a verdade, o que o fez se sentir mais renovado.

- Então por que...

- Meu amorzinho, veja os anjos caindo como gotas de fogo, mais uma vez, e talvez essa não seja a última vez. Uma vez descemos assim, na primeira vez que nos separamos do Um e demos de cara com o vazio imensurável. Naqueles tempos fomos incitados a experimentar, e nunca nos foi dito que a experiência já se bastava ou em algum momento se bastaria em si mesma. Ela ainda continua, e é bom que seja assim, não é mesmo?

Ariel o olhou, a estranheza em seu olhar. Então, como se tivesse se iluminado, voltou novos olhos para os anjos que caiam...

- É, é bom que seja assim. Ainda não estamos satisfeitos – sorriu. – O UM está em cada um que cai, mesmo que a gente se esqueça disso. Não somos nós, é ele que alterca consigo mesmo, e que se fere mortalmente, como é Ele que observa, é Ele que cai – suspirou, se abraçando mais forte nele, o sorriso abandonado no rosto vendo o céu tomado de maravilhosos fogos.

- Sabe, eu vejo essa experiência e, às vezes, quase consigo entender porque esse planeta é tão importante para ela. O mal não existe, como não existe a escuridão; é tudo... experiência. E aqui essa experiência cada vez se torna mais sólida, porque vai deixando de ser uma experiência individual para se tornar uma experiência grupal, comunitária. Sinto que, cada vez que, como comunidade aprendermos mais a criar, mais forte ela será. É terrível e dá medo, ao pensar no volume e poder que ela poderá ter, mas... deve valer a pena – suspirou para a franja vermelha do dia que nascia ao longe ao som dos lamentos dos anjos.

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