《MEMÓRIAS DE UM DEUS - Ficção [português]》A DÚVIDA

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Tenho absoluta certeza de que há uma força maior e mais transformadora que a espada e a mão que a empunha. Mas, o que pode ser?

Ariel abriu as asas e freou sua velocidade. No jardim logo abaixo viu Lázarus sentado sob algumas árvores. Ao seu lado viu um grande animal, que nunca vira antes. Ele parecia em paz, aos pés do AsaCortada.

O animal, que já se mostrara bem alerta quando a percebera começando a descer, levantou de vez a cabeça, os olhos atentos em cada movimento que fazia.

Então, no momento em que tocava o solo o viu consultando os olhos de Lázarus. Vendo que tudo estava bem, seus modos amainaram, e ficou em paz.

- Esse eu não conheço – sorriu descendo ao lado dos dois.

- Esse é Pedregulho – apresentou. – Ele é um dragão sem asas, como pode ver.

- Pedregulho... Um Tempus? – perguntou se ajoelhando ao seu lado, acariciando sua cabeçorra.

O gigante levantou a cabeça e, como se suspirasse, deitou-a encostado nos joelhos de Ariel, um ronco suave ressoando pela terra.

> Que lindo ele é – suspirou apaixonada. – Ele é incrível, não é? – perguntou deitando sua cabeça sobre a do dragão, que ronronou mais forte.

Ele era todo negro, mas de um negro que parecia vibrar em prata quando a luz do sol tocava em suas escamas, que pareciam macias, apesar de desconfiar que poderiam resistir a qualquer golpe de lança ou espada. Os espinhos davam volta pela cabeça e se uniam no pescoço no meio dos ombros, de onde desciam até a ponta bifurcada do rabo. Ele tinha quatro patas, grossas e poderosas. Os dedos eram cinco garras grossas e escuras, que desconfiava que poderiam rasgar com facilidade qualquer armadura. E havia aqueles olhos de um verde esmeralda dando um toque final.

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> Você é lindo demais, cara – ela falou com enorme carinho. – Ele apareceu aqui?

- Não, eu o encontrei, numa praia em Árica. Tive que aplicar muitos passes. Ele estava com uma lança ali no dorso, e parecia agonizar.

- Aaaaaa... – Ariel gemeu, suspirando tristemente.

- Mas, ele agora está bem. Eu o trouxe, e lhe disse que pode fazer seu lar aqui.

- E você aceitou, meu bem? – perguntou ao dragão.

Ele ronronou mais forte, e Ariel se deu por satisfeita.

- Ele disse que sim – interpretou Lázarus. – Acho que ele não dormia há muito tempo. Depois que cuidei dele e o ferimento curou esse malandro só quer saber de dormir – esclareceu.

- E os outros?

- Você precisava ver, Ariel. Todos foram descendo aqui, e todos lhe deram as boas-vindas. Arrivandro e Shen estavam aqui conosco, até bem pouco.

- Vai ser incrível ter você aqui conosco, meu amigo – falou Ariel, se abraçando no dragão, que resfolegou satisfeito.

Após um bom afago no dragão Ariel se levantou e sentou bem colada à Lázarus, que fazia horas que estava ali, pensando, mascando uma haste de capim, os olhos postos no dragão.

> Devia parar de mastigar isso, agora que você se deu lindos dentes – sorriu. – Eles vão acabar ficando verdes.

Lázarus sorriu, o pensamento abandonado.

> Os mesmos pensamentos?

- Venho pensando muito nisso... O que estamos mudando, Ariel? De verdade? – perguntou se virando para ela, os pés acariciando Pedregulho.

- Muitas coisas...

- Sei que ganhamos experiência, sei que nos modificamos quando fazemos algo, mas... A verdade é que não mudamos nada. São as próprias centelhas que têm o poder de se modificarem, e só elas podem se transformar, a partir de dentro de si mesmas. Quando agimos contra elas, querendo impor nossas visões, reforçamos o caminho que elas escolheram, como também é muito provável que nos deixemos modificar por elas...

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- Sabe, eu tinha medo – falou, os olhos passando pela espada, apoiada no banco.

- Teve receios de eu me tornar Sênior?

- Claro que sim. A espada... Vintana pulsa novamente, não pulsa? Ela troca energia com você, ...

- Minha adaga também troca, e ela continua como antes.

- Mas ela não é a espada. No entanto, você ainda continua você, e isso me deixa feliz. Confusa, mas feliz... As dúvidas vão sempre estar em nossos corações, Lázarus, para que tomemos nossas decisões e tomemos um caminho. A esperança é o piso das estradas que escolhemos – suspirou.

- Não sei como vai ser, Ariel, quando eu realmente tiver uma batalha de verdade na frente, ou ver algo realmente... sombrio. Espero que Sênior esteja mais leve. Os enfrentamentos com os dahrars, até agora, foram bem – suspirou infeliz.

- Essa é síndrome do guerreiro cansado, Lázarus – ela falou.

- Eu sei que é... – aceitou, deixando a haste cair. – E, o que mais dói, é que sei que não posso, ... não quero – se corrigiu – modificar isso por agora. Não sei o que posso fazer, mas agora não é o momento para isso. Sabe, eu ainda faço a mesma pergunta que você mesma já me fez várias vezes, e que a si se faz há muito tempo, Ariel. Achou a resposta?

- Tanto quanto você, meu querido. Sei que deve haver outra forma, uma outra maneira de alterar essa linha de tempo terrível em que estamos presos, mas ainda não achei. Amor é a força maior dos universos, mas não consigo...

- Para isso, o desejo não deve ser apenas o nosso. Há muitas consciências aqui, todas construindo algo, e é esse algo que se manifesta pela força do coletivo. Os escuros viram isso, e por isso espalharam o medo e a desconfiança, para que mais consciências manifestassem isso.

- É, eu sei – falou ficando descalça e apoiando-os também com carinho sobre o dragão, que se mexeu feliz.

- Parece fácil, mas é a missão mais difícil que nos demos – sorriu resignado, puxando a cabeça dela contra a sua. Sorrindo, se deixou ali, sentindo a respiração dela perto, o calor dela se irradiando no mundo, como algo real que era. - Eu estou sentindo sua alma... – recitou para dentro de si. – Talvez o que eu sinto faça parte da resposta – refletiu, seguindo feliz uma luz tocar suavemente o que de mais profundo era. – Eu sinto você, eu vejo sua luz, eu toco sua alma – murmurou.

- E eu, sentindo a sua... – sussurrou ela com a voz abandonada, vendo o dragão se levantar, se esticar preguiçosamente, lançar um olhar suave sobre ambos e, em passos suaves e longos, sumir além do jardim.

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