《MEMÓRIAS DE UM DEUS - Ficção [português]》O COMEÇO DA GUERRA COM OS DARHS – 324.818
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Saudades... Algumas vezes esse sentimento é tão doloroso que temo desistir.
A revolta cresceu principalmente entre os vigilantes e se alastrou como um rastilho por toda a Mércia. A perda de toda uma tropa de caçadores não fora recebida com muita alegria.
Porém, os anjos também foram atingidos, e o bom senso parecia ser abandonado com facilidade, quando o assunto dahrar vinha à tona.
Os anjos examinaram a situação, lamentando a perda dos cinco anjos que estavam na tropa que atacara os dahrars. Foi nesses dias, logo após a destruição da tropa, que muitas reuniões foram realizadas, onde ficou decidido que iriam se retirar do céu do planeta, porque aquela situação não lhes era muito interessante, deixando o assunto dahrar para mais tarde, porque o pulso da situação mostrava grande possibilidade de desandar para uma situação de guerra, o que não lhes interessava, no momento.
A grande verdade é que tinham consciência de que os anjos que estavam naquela tropa agiram com arrogância e desprezo, atitudes que não eram muito bem aceitas. “Não tem como a vida não ser respeitada e amada”, apontavam para uma pequena placa de prata na entrada de uma de suas cidades.
Porém, isso não era verdade para todos.
Muitos anjos procuraram os vigilantes e os caídos, e até mesmo os homens e pessoas, e com eles fizeram alianças, buscando unir forças para exterminar de vez os perigosos dahrars que aprenderam a temer, discursando que eles seriam o flagelo de toda a criação, porque eles poderiam assaltar até mesmo as outras dimensões.
Quando a guerra explodiu, os que se acreditavam apartados tiveram que repensar suas posições, porque ela se alastrou como uma enchente sem controle.
Foi só então que descobriram que estavam enganados.
Os dahrars não eram poucos, como pensavam, mas eram em grande número. Nas risadas soltas dos demônios viram que haviam sido arrastados para uma armadilha.
- Mas, como pudemos ser enganados dessa forma? – revoltava-se um comandante de um grupo de vigilantes. – Eles eram contados, se muito, em poucos milhares.
- E não era assim, não é mesmo? – falou Lázarus, sobre de lado sobre uma grossa mesa no povoado onde estavam reunidos. – Muitos deles estavam apenas querendo levar a vida isolados.
O comandante dos vigilantes observou com cuidado os dois guerreiros ao lado, Lázarus e Denatiel[1]. Se Lázarus era muito visto em Mércia, tal já não acontecia com Denatiel, que atuava mais fora de Gaia. Se Lázarus vergava sua forma dahen, Miguel era até belo em sua forma de manto. Mas não era uma forma qualquer. Ali estava ele, sua forma mais como um manto de luz suave e ambarina, que parecia sempre em movimento.
- Lázarus, Lázarus... – falou, em tom de reprimenda. - Esse “eu avisei” em nada vai melhorar a situação, Lázarus. Sabemos o quanto preza esses dahrars.
- Ah, mas eu avisei – Lázarus sorriu. – E eu prezo sim, todo aquele que traz a luz no coração, seja anjo, demônio, dahrar ou qualquer manifestação.
- Pois não fechem os olhos, pois essa guerra vai se estender para qualquer lugar em que esteja, Lázarus...
- Meus olhos nunca estão fechados, meu amigo. Abra os seus – falou se levantando e caminhando tranquilamente até a porta, sob o olhar da assembleia de guerra.
- Sabem, eu luto contra a escuridão – Miguel falou se virando para os que estavam reunidos, - nunca contra a luz, e também não contra a penumbra, porque ela embala a esperança. Estejam sempre muito alertas e atentos sobre as vozes que escolhem ouvir.
Então, num impulso os dois se viraram e se elevaram, logo desparecendo dos olhares assombrados de todos.
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- 324.825 -
A terrível guerra já se estendia por muitas revoluções de Urântia, não mostrando sinais de diminuir de intensidade.
Além dos dahrars se mostrarem muito poderosos, ainda tinham a capacidade de se proliferarem de uma forma assustadora, porque haviam entendido que tinham necessidade de se estender pela terra. Os estupros eram generalizados pelas terras por onde passavam ou que dominavam, que repunham depressa os seus contingentes, visto que o crescimento e amadurecimento dos dahrars era algo digno de nota, alguns anos mais rapidamente que os efêmeros humanos.
Porém, para complicar ainda mais a guerra, algo que não se julgava que aconteceria simplesmente aconteceu, fruto de um trabalho ardiloso e envolvente dos dahrars, razão pela qual havia muitos rumores de que eles haviam usado poderes mentais para fazê-los pender para o lado deles.
Foi no vigésimo quinto dia do sexto mês, do ano 324.825 da quinta era, que eles se mostraram.
Começou com boatos e sussurros de que alguns deles estavam atacando alguns vilarejos, mas, como não havia sobreviventes, todo ataque era creditado a dahrars com poderes de fogo, e não havia outra forma, visto que os dragões são famosos na defesa de sua independência e no desprezo pelas guerras dos outros. Como então os ataques poderiam ser creditados a eles?
Lázarus foi o que primeiro sentiu a aproximação deles.
Com estranheza olhou para os que estavam ao seu lado e se jogou para o alto, muito acima do vale. O que viu o deixou assustado e preocupado com seu exército: eram muito poucos para o que se aproximava.
Com um baque seco voltou para o meio dos seus, os olhos e jeitos tomados de urgência.
- Recuar, recuar agora – gritou. – não se preocupem com o que deixarem para trás, mas vamos recuar agora. – repetiu. – dois batalhões dos Set Phai[2], ao meu lado. Vamos fazer uma barragem e proteger os nossos. Atacar e recuar. Não daremos combate direto a isso. Quando os nossos estiverem fora de alcance deles, vamos embora. Os outros batalhões, protejam mais de perto os retirantes. Vamos, vamos... – gritou apressado, como nunca fora visto.
- Mas, vamos entregar essas terras que tão duramente conquistamos? – gritou um comandante em meio aos movimentos e gritos.
- Melhor que essas terras fiquem assim, sem nossos corpos sobre ela. Vamos, vamos agora...
Foi somente quando eles surgiram no alto da boca do vale, no passo de Romin, que todos entenderam a enormidade do problema.
Eram perto de uns cento e cinquenta dragões, entre vermelhos e cinzentos que desciam, suas longas e majestosas asas ruflando em macabro e suave ritmo.
E, junto deles, vinham inúmeros dahrars, nefelins, pessoas e vigilantes, infestando o céu e a terra.
Os Set Phai se elevaram apressados no ar, as armas brilhando contra o sol vermelho que nascia, enquanto as tropas batiam em apressada retirada.
Lázarus e os seus deram uma passada rápida e violenta pelo meio deles. Vários voadores e dragões caíram do céu, ou mortos e muito machucados. Acima do vale fizeram uma curva e investiram novamente, agora tomados de maior furor, porque os seus ainda estavam facilmente ao alcance daquela força escura.
Quando surgiram à frente da coluna inimiga, Lázarus mandou que os mais feridos se juntassem aos que fugiam, aumentando-lhes a proteção, instando para que urgenciassem o abandono daquele local.
Ariel se preparava para partir em resgate aos Set Phai, o coração agitado, temendo que algo bem sério tivesse acontecido ao grupo, quando a trombeta soou na torre de vigia mais ao norte.
O som era nervoso, apressado.
Sem perda de tempo se elevou, acompanhada de algumas vigilantes e harpias.
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Sua alma se tranquilizou um pouco quando os viu: eram o Set Phai que retornavam. Estavam em um número muito reduzido, e estavam muito feridos, todos eles. Sem demora os encontrou e tomou posição ao lado deles. No entanto, por mais que procurasse, não via Lázarus.
Aproximou-se de uma capitã.
- E o Lázarus?
A vigilante a observou. O cansaço nela era imenso. Até mesmo as batidas das asas mostravam um enorme esforço para a batida seguinte.
- Ele se separou de nós, quando estávamos em fuga sobre as montanhas Amorin. Ele não me disse para onde ia, e eu estava esgotada demais até para perceber que ele se afastava.
- Ele atraiu os dragões e os atacantes para longe de vocês, é isso? – gemeu, tentando entender o que o faria se afastar do batalhão.
- Talvez, talvez... Mas, confesso que não sei, Ariel. – Um pouco antes dele se separar em pensei ter visto nele uma intenção de ir para o oeste, mas eu não tinha entendido. Ele deve ter ido para lá, para a muralha...
Ariel respirou fundo, enviando para ela um pouco de energia, enquanto sinalizava para alguns curadores a tomarem.
Se preparava para partir atrás de Lázarus quando foi bloqueada por Sol e Valentina.
- Sabemos o que pretende, mas pedimos que fique aqui e cuide de Par Adenai, e de suas defesas, caso eles venham para ataca-la – falou Valentina.
- Os dragões daqui vão defender Par Adenai e...
- Mas, você precisa ficar, minha querida – falou Valentina, segurando com carinho seus braços. – Você não conseguirá ajuda-lo nesse estado. Confie em Lázarus, por favor. Tenho certeza de que ele sabe o que está fazendo.
Ariel suspirou fundo, e viu a intensa preocupação nos olhos dos três, pois Arrivandro se aproximara, atento à sua face.
Ariel passou os olhos pelos Set Phai que ainda chegavam, e seu coração deu uma tremida. Eles vinham calados, as armaduras queimadas e rasgadas, e mostravam incontáveis ferimentos pelos corpos. Depressa voltou os olhos, contando os que voltavam, e seu coração se espremeu de dor, vendo o quanto deles não haviam retornado. Viu duas vigilantes socorrendo um vigilante que era sustentado com dificuldade por um outro, aliviando sua carga.
Em silêncio as descendo no acampamento.
Curupiras, caiporas, vigilantes e caititus e queixadas rapidamente foram cuidando deles, dando especial atenção aos que estavam em perigoso estado.
Após conferir que todos estavam recebendo os devidos cuidados, estendeu mais uma vez sua energia, mas ainda não conseguiu encontra-lo. Resignada ficou sobre um monte, ao lado do acampamento, aguardando, o coração batendo dolorido e preocupado. Ele devia estar oculto, tentava se tranquilizar.
– Está bem, vou esperar por Lázarus aqui – cedeu, se abraçando em Valentina e Sol, que sorriam amorosas.
Foi nas primeiras horas do dia seguinte que ela, subitamente, o viu surgir sobre as Montanhas da Passagem. E ele não estava sozinho: com ele vinha Mulo. Desconfiada sondou o chão da floresta, e viu que Avenon os seguia.
Depressa surgiu ao lado deles. Com pesar viu todo o sofrimento e esgotamento em Lázarus. Rapidamente o envolveu em sua energia, o que lhe deu certo conforto, denunciado por um sorriso gentil e uma expressão de alívio.
- Isso foi inesperado – falou Ariel, tirando a armadura de Lázarus com muito cuidado. Em dor viu ferimentos muito profundos nas costas e no lado esquerdo do AsaCortada, alguns que chegavam mesmo a mostrar os ossos. Mais que depressa deu atenção a eles, porque Lázarus estava tão enfraquecido que iria demorar demais para se restabelecer.
Com prazer viu o encontro de Avenon e Sol, e também de Mulo e Valentina. Suspirou satisfeita.
Mais ainda quando, de acordo que Lázarus ia melhorando, seu estado de ânimo também se elevava.
- Aquela foi só a primeira carga – contou para Ariel e para os anciãos, que estavam ao lado, aguardando o relatório. – Uma segunda carga veio algum tempo depois, quase que totalmente dos dragões das sombras. Não sei como conseguimos sair de lá vivos – falou, os olhos se perdendo nos companheiros ao longe que continuavam a receber intensos cuidados. – Eram perto de oitenta, essa segunda leva.
- Continua ainda acreditando que não devemos convocar os dragões? – quis saber um grande lobisomem, os modos tranquilos e pensativos.
- Não decido por eles, meu amigo. Eles se envolvem nas guerras que julgam que devem interferir. Soube que iriam se envolver nela, para defender Par Adenai... – sussurrou.
- Essa é uma verdade. Mas, conseguiu descobrir porque esses que os atacaram resolveram se envolver?
- Isso aconteceu porque eles foram ludibriados, porque os que puseram os olhos sobre eles sabiam que seus espíritos, dos sombras e dos vermelhos, são naturalmente guerreiros.
- Onde você esteve, quando se apartou dos Set Phai, Lázarus? – Ariel perguntou desconfiada. – E como encontrou com Avenon e Mulo, que estavam nas batalhas do sul?
- Convoquei uma assembleia de dragões, de quase todas as espécies, e me apresentei perante eles. E Avenon e Mulo foram chamados pela assembleia.
- Por que?
- Porque eles foram acusados – declarou.
- A assembleia tinha conhecimento de algo, que não esclareceram, mas que envolvia os dois. Quando eles chegaram apenas pediram permissão e os olharam, e se deram por satisfeitos.
- E???
- Os dragões são assim. Disseram que tudo seria esclarecido, por aquele que devia esclarecer.
- Então devemos entender que tudo está resolvido? – perguntou o lobisomem. – Eles vão lutar ao nosso lado?
Lázarus o observou, o aspecto cansado.
- Eles me ouviram com bastante atenção e respeito.
- E então?
- Eles apenas disseram que tudo seria esclarecido.
- Só isso? – assustou-se um curupira, as cabeleiras se avermelhando.
- Sabe como eles são. De certa forma se parecem muito com as harpias, com as quais vocês estão bem familiarizados. Elas tomam as decisões delas e só.
O curupira se preparava para reclamar quando novamente ouviram trombetas soando de todos os lados. Eram sons de uma urgência extrema, e rapidamente todos se foram, tomando posições de batalha.
Todos se ergueram e foram para a varanda.
Ao longe, uma grande quantidade de dragões avançava.
Logo o céu em torno de Par Adenai estava cheio de aves de guerra e vigilantes e pessoas aladas, e os espaços entre as árvores repletos de seres em tocaia. E, por todas as varandas, todos os dragões se mostravam em alerta.
Um urro medonho dos dragões de Par Adenai se elevou, e todos sabiam que era uma advertência para os que se aproximavam. Lázarus olhou para cima e se preocupou, porque os dragões estavam, todos eles, com as gargantas em brasa, e se preparavam para voar para a guerra.
Então, para surpresa de todos um som, como de trombetas suaves e distantes veio pelo ar e encheu os espaços.
Um silêncio terrível se fez, e todos prestaram atenção nos dragões de Par Adenai, e ficaram confusos, ao ver que eles iam, lentamente, se acalmando.
Lázarus, intrigado e confuso com a reação dos dragões, se virou para examinar os que se aproximavam. Levou um choque imenso quando viu o imenso dragão que vinha logo à frente da esquadrilha.
Tomado de extrema urgência se virou para os seus.
- Levantar armas – gritou, arrumando em seu corpo os pedaços da armadura que ainda tinha. - Aprontem seus escudos – gritou ainda mais alto, virando-se para examinar o grande dragão vermelho que apresentava um grande talho numa asa e num ombro.
[1] Denatiel sempre foi considerado um dos maiores guerreiros da luz. Determinado e duro, chamado por muitos de “o disciplinador”, pela forma dura como combatia a escuridão. Mas, também, era reconhecido a enorme luz que o possuía. Será esse anjo, já na sétima era, que assumira o nome de Miguel.
[2] Batalhão composto pelos dranians de maior ferocidade e honradez, aumentado com muitos dahrars e nefelins de poder.
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