《UMA ESTÓRIA DANATUÁ (ficção - português)》FORMIGUEIRO

Advertisement

Maldade ou bondade são apenas definições vagas e infantis. Apenas sigo o que sou, não há outra forma.

I

Uivo mudou lentamente de posição, temendo se denunciar. Não havia outra forma, a não ser a de espionar. E bem sabia dos riscos de se espionar o conselho. Não o queriam por perto, mas, como aprendera, conhecimento é poder. E ali estava ele, liquido, encorpado. Já ouvira falar muito sobre potaraobis[1], e agora tinha quase certeza de que já topara com eles antes. Mensagens dispersas no ar, vontades estranhas, imagens que surgiam sem qualquer motivo. Quem mais tinha desenvolvido o poder de manipular as vontades, de entrar na cabeça de qualquer ser?

E ali mais coisas ocultas, como uma caveira de cristal que fora trazida em uma missão muito arriscada das harpias sobre as altas montanhas onde diziam, agora, viviam os demônios, e que, ao que parece, por tudo o que ouvira, ela viera infectada com um filhote de demônio, enviado para destruir o conselho. E também havia a informação da existência de dois reis, duas caveiras construídas pelos demônios onde haviam instalado um grande e sombrio poder.

Porém, o que mais lhe chamava a atenção era a existência dos potaraobis.

- Por que Tenebe não me falou sobre eles? Tenho que perguntar isso para ele, a qualquer momento.

Foram eles, os potaraobis, um de seus ramos loucos, segundo Tenebe lhe contara por alto, que Adanu e Allenda partiram à caça, quando ela era muito novinha.

Ao pensar em Allenda, Uivo a procurou no círculo do conselho reunido, e sentiu um aperto no peito. Abanou a cabeça, decidido. Seus sentimentos conflitantes por ela não podiam impedi-lo, ou mesmo atrapalhá-lo, de buscar a verdade sobre o que realmente estava acontecendo.

Em total silêncio ficou ouvindo.

Então seus olhos encontraram Allenda, sentada com as pernas cruzadas, parecendo estar com os pensamentos distantes.

> Quando ela está em silêncio, assim, até que ela fica um pouco mais agradável – sorriu.

II

- Potaraobis... – cismou Allenda. - - Potaraobis... Então vocês estão aqui, tão perto... – cismou olhando disfarçadamente para o pai. – Gostaria de tirar a desconfiança que ainda tenho no meu coração. ´Verdade que vocês me ajudaram muito, em muitas ocasiões, mas aprendi que vocês possuem planos dentro de planos, em níveis tão numerosos e variados que é como se gritassem para termos cuidado e não confiarmos demais em vocês, porque é quase certo que estarão nos manipulando e nos usando para seus fins, mesmo que digam que é para o bem comum – pensou, os olhos estreitos e perigosos.

Foi então que sentiu algo, como uma presença, algo dissimulado a observá-la. Com cuidado começou a vasculhar tudo em volta, até que o viu.

Havia um ser parecido com uma onça parda, parecendo ser muito grande, agarrado num tronco de uma árvore. Assim que percebeu que havia sido descoberto, num impulso silencioso sumiu para dentro da floresta.

Allenda sorriu.

Havia um jovem guerreiro curioso e impaciente demais. Talvez um aliado, ficou cismando, observando curiosa um sorriso insinuar-se no velho rosto humano.

III

Uivo já a conhecida um pouquinho para desconfiar daquele olhar curioso e febril. Nos encontros que já tivera com ela, e pelas estórias que ouvira, tinha certeza que o nome potaraobis iria fazer com que ela tivesse alguma atitude impensada, como tinha certeza de que iria arrastar outros consigo.

Por isso, durante os dias após a reunião em que haviam falado sobre os potaraobis, sempre procurava saber onde ela estava e o que estava fazendo. E isso se intensificou quando o conselho foi ver a caveira vermelha que as harpias haviam trazido das montanhas e sondou os terrenos ao lado, descobrindo que a caveira havia sido limpa e que alguém morrera no processo[2].

Advertisement

Ficou imaginando o poder que devia ter sido invocado para limpar uma caveira de cristal como aquela, poderada pelos demônios e enviada para dominar o conselho. Os que a limparam deviam ser seres de imenso poder, pelo que ouvira, e em seu pensamento girava apenas um tipo especial de guerreiros.

Allenda devia estar imaginando a mesma coisa.

Após Tenebe ter invocado um Avhu[3] e trazer informações de seres poderosos, sabia que Allenda fora ativada. Ela seguiria adiante como um rolo compressor, sabia.

Quando todos se afastaram resolveu continuar mantendo Allenda sob vigília. Ela era inconstante e perigosa, e tinha certeza de que iria se meter em perigo, o que poderia acarretar problemas futuros para todos.

- Que saco! – exclamou. – Vou ter que ficar de baba dessa menina mimada e arrogante. Mas, o que temos que fazer para proteger o nosso povo, deve ser feito – disse para si mesmo, sorrindo satisfeito ao ver que acreditava no que acabara de sussurrar.

IV

Allenda estava concentrada, os olhos no chão, nas marcas deixadas pelos seres que haviam atacado e subjugado a caveira. Seu corpo se arrepiou e sentiu um calor inebriante tomando todo seu ser. Tinha certeza quase absoluta de que seus velhos inimigos estavam próximos.

Uivo sorriu, satisfeito por ter decifrado as intenções de Allenda, que arrastava MassaFúria em direção às entranhas da floresta.

Então seu rosto ficou duro, o olhar parado no caminho em que elas haviam desaparecido. Era certo que, se fosse como se pensava que poderia ser, poderes estranhos e muito perigosos poderiam estar à espreita.

Indeciso voltou os olhos para o acampamento, e novamente para a trilha.

Decidido deu meia-volta e entrou no acampamento.

V

MassaFúria, sem perda de tempo tomou a trilha logo após Allenda, já montada em seu queixada, o ArrancaToco, parando perto da entrada da floresta.

- Há perigos no caminho – alertou MassaFúria após sondar os caminhos à frente.

- Consegue ser rápida? – perguntou Allenda acariciando o queixada, que resfolegou, ansioso por partir em correria.

- Vá na frente indicando o caminho, Allenda.

Nem bem terminara de falar o queixada disparou, sumindo nas sombras da floresta.

MassaFúria, como brisa veloz se lançou, de árvore em árvore, pelas pedras, rios e por dentro da terra, avançando veloz em perseguição ao queixada.

Muito à frente, tomada de urgência ultrapassou Allenda, surgindo à sua frente na trilha, bloqueando sua passagem.

Intrigada, Allenda parou ao seu lado, confusa, procurando à frente o que poderia ter deixado MassaFúria em alerta.

- É sobre isso, sobre essa correição? – perguntou, os olhos nas trilhas negras e movediças como cordões que se arrastavam pelo chão atapetado da floresta.

- Não é correição, como a conhece. Esta terra é muito longe da nossa, e poucos vêm aqui. Há um ser aqui, e ele está faminto.

De repente, como se o reconhecimento fosse o estopim, a correição foi se aglomerando no meio da trilha. Tal como ao fazerem seu ninho, as formigas foram se unindo pelas patas, se agarrando umas às outras, encorpando, crescendo. Um ser feito de formigas tomava forma no caminho. E mais um, e outro, e outro ainda, até que cinco daqueles seres estavam na trilha.

- O que desejam por estes lados? – perguntou o ser, pela boca que se movia estranhamente.

- Apenas queremos passar – informou Allenda. – Abram o caminho.

- Se acha que pode abri-lo, passará então – sorriu o ser negro.

MassaFúria tocou de longe os seres, e recuou. Havia maldade ali, havia morte neles.

- Eles não vão nos deixar passar - avisou. - É da natureza deles matar.

- Também senti – Allenda falou disparando velozmente cinco flechas, um para cada ser.

Advertisement

Mas os seres não se importaram. As formigas que foram atingidas foram rapidamente substituídas. De súbito, os seres se desfizeram nas formigas que se lançaram, esticando-se no ar como fumaça em direção às duas.

MassaFúria bloqueou dois daqueles seres levantando uma cortina de terra bem à sua frente que, lentamente foi enrolando e apertando.

Os outros dois Allenda e ArrancaToco atacaram com grande velocidade, inflamando o ar à frente das formigas.

Mas as duas estavam sendo exigidas demais, e com horror viram o chão fervilhar, se aproximando cada vez mais. Allenda e ArrancaToco se poderaram mais fortemente. A tatuagem de Allenda se avermelhou um segundo antes de se tornarem fogo quase branco. As formigas morriam aos milhares, mas continuavam a avançar, e rapidamente foram subindo pelos seus corpos. Allenda sentiu todo o peso delas, as formigas calcinadas formando uma espécie de capa em torno dela e de ArrancaToco, capa que protegia as outras que continuavam a se avolumar, a pesar irresistivelmente.

MassaFúria levantou um envoltório de folhas em torno de si, grossa e espessa, e caiu sob o peso das formigas, que não cessava de crescer. Mas, antes que o ultimo friso fechasse a visão dos seus olhos, viu algo, ou alguém, caindo pesado sobre um galho, que gemeu ruidoso.

Então veio a escuridão e o ar começou a sumir, tal como suas forças.

Sua mente ficou zonza, e sentiu que desfalecia.

- Ai... Se eu desfalecer, minha armadura vai fraquejar e...

Então a escuridão a tomou, e tudo se apagou.

VI

Quando a carapaça negra de formigas calcinadas foi quebrada, Allenda sentiu o ar fresco e revigorante entrando como se fosse a coisa mais deliciosa que já experimentara, o que podia dizer também de ArrancaToco e de MassaFúria, quando rasgaram sua grossa proteção de folhas.

Ainda tonta Allenda levantou com esforço o tronco. ArrancaToco e MassaFúria, conferiu, pareciam apenas desmaiados. Mais tranquila levantou os olhos, e identificou Adanu.

Confusa Allenda olhou para ele, vendo que ele estivera poderado há pouco tempo. Uma imensa trilha de formigas queimadas se estendia pelo caminho.

Ouviu um gemido e um resfolegar, e soube que MassaFúria e ArrancaToco despertavam.

- Vocês se esqueceram de se movimentar – sorriu Adanu. – Ficar parada, contra formigueiro, é decretar a própria morte.

- Mas, como você...

Adanu a interrompeu, mostrando o lado com um movimento de cabeça.

Só então ela percebeu que Adanu não estava só.

Um grande felino fazia frente a um formigueiro.

Allenda pensou em se levantar para ajudá-lo, porque sentia que ele não seria páreo para aquele mar escuro e movediço, cheio de vontade ruim. Mas, zonza, não conseguiu se mover. Olhou para Adanu, para dizer-lhe que tinha que ir ajudar o felino, quando viu o sorriso na cara de Adanu, observando tranquilamente e com interesse o confronto.

De repente Adanu ficou tenso e gritou para alertar Uivo quando, com uma velocidade imensa, o formigueiro girou o tronco, se desfazendo em uma nuvem de formigas vorazes que descreveram uma pequena curva e atingiram Uivo pesadamente.

Adanu se levantou rápido, apontando para FuraTerra ir em auxílio de Uivo.

No momento que Adanu se aproximava e se preparava para atear fogo nas formigas, Uivo tombou de vez sobre um joelho.

Adanu não teve tempo de tocar fogo em formigueiro. Num impulso violento Uivo se esticou e saltou, todo recoberto pelas formigas, caindo com estrondo nas águas do rio.

Em pé, na beira do barranco, Adanu sondava as águas e as margens, e o que via eram só formigas que vinham do fundo das águas, mortas, que a correnteza veloz logo levava embora. Os minutos passavam, e nada de surgir Uivo.

Adanu se virou para MassaFúria, ainda muito enfraquecida, que se vinha com dificuldade para o seu lado.

Allenda e ArrancaToco, bem como MassaFúria, se postaram ao seu lado, observando preocupados da margem alta as águas do rio.

De repente, como se perfurasse as águas, Uivo saltou para a margem, uma nuvem de água caindo ao seu lado. Com um movimento abrupto tirou de si o excesso de água. Assim que os viu, com os modos sérios se aproximou dos quatro.

- Se arriscou demais, puma – cumprimentou Allenda.

- Tudo dentro dos planos – falou Uivo. – Vocês estão bem, eu vejo – falou acariciando a cabeça ossuda de ArrancaToco, para estranheza de Allenda.

> Ah, eu e eles somos amigos! – esclareceu Uivo, o que fez Adanu sorrir, ao ver Uivo secundado por ArrancaToco e FuraTerra.

- Como vocês chegaram aqui? Estavam nos seguindo? – perguntou MassaFúria.

- Foi Uivo que me chamou – informou Adanu.

- Então você estava nos observando? – perguntou Allenda com um sorriso cínico no rosto.

- Sim! – sorriu. - Eu vi que tramavam algo. Fiquei curioso.

- Então por que chamou Adanu? – estranhou Allenda, vendo Uivo se despoderar.

- Porque vi, em seus olhos, que não havia só curiosidade. Notei encrenca.

- Sei! – debochou. – Fomos atacadas aqui, se não percebeu. Isso poderia ter acontecido com qualquer um, com qualquer caminhante.

- Nisso eu concordo! Mas, ainda assim, foi bom que viemos, não foi?

- Estranho. Isso ali me lembra você e Bella – falou MassaFúria divertida se sentando com Adanu, um pouco afastados dos dois.

- Não é mesmo? – riu Adanu.

Allenda olhou para Adanu e MassaFúria que, sentados nas pedras da margem, se divertiam com a discussão dos dois.

- Não estou muito certa disso – Allenda falou lentamente, enquanto bem devagar ia tirando os olhos dos dois. - Ah, tudo bem... Agora vocês já podem voltar. Estamos bem!

Uivo deu uma tossida, mostrando a cara confusa.

- Mas você é bem arrogante, héim? Você não manda no meu caminho.

- Ah, é mesmo? – debochou, quebrando a cintura. - Então, para onde estão indo?

Uivo ficou sem-graça. Então olhou para MassaFúria, e sorriu.

- Para onde ela está indo... – apontou.

- Ah, não! Não me metam na briga de vocês, está bem? Certo? Legal? – sorriu divertida sob o olhar satisfeito de Adanu.

- Nem eu, Uivo! Ainda mais considerando que nem sei para onde vamos. – protegeu-se Adanu.

- Ah, perfeito! Para onde vamos, você disse – reclamou Allenda batendo com as mãos na coxa. – Agora vocês vão vir juntos, é isso?

- Ela sempre, quando fica nervosa, bate com as mãos nas pernas. Viram só? – brincou Adanu.

- É, você está certo! – reconheceu Uivo, passando sobre algumas picadas de formiga umas folhas de cebolinha que MassaFúria lhe adiantara.

- Tomara que inflamem – sussurrou Allenda, passando reto por ele de volta à trilha, onde parou e olhou irritada para trás.

> Pois é, agora até o meu queixada está de gracejos, não é mesmo? – reclamou novamente. – Então, ArrancaToco, é pra hoje?

ArrancaToco resfolegou e olhou para Uivo.

- Vai lá, foguinho. Ela é boazinha. Não vai te fazer mal, se você ficar bem bonzinho – riu.

Allenda bufou e se virou de chofre, tomando o caminho. ArrancaToco partiu rápido atrás dela, olhando de quando em quando para trás. Uivo jurava que ele parecia rir.

Já bem à frente, com um sorriso no rosto, Allenda ainda ouvia as risadas dos outros, tirando sarro de Uivo. Em sua mente rondava uma leveza estranha, bem diferente daquela vez em que partira atrás dos potaraobis. Sorriu mais uma vez, ouvindo as risadas que se espraiavam no ar.

Uivo foi sentindo o pulso, deixando o caminho determinar a tensão. E, quanto mais se adiantavam no caminho, percebia que Allenda ficava mais concentrada, mais tensa, mais alerta. Cada vez falava menos, cada vez interagia menos, cada vez mais sua mão se aproximava mais do arco.

Os caminhos de floresta subiram e desceram montes, locais úmidos e frios ou quentes e abafados. Mas foi na entrada de um vale, encimado por três frondosas e fortes paineiras, que a tensão atingiu seu máximo, quando Allenda sacou o arco e apontou a flecha para um humano que surgira no caminho, na subida do vale.

Foi um momento estranho, a tensão dos visitantes contra a calma controlada do homem.

Porém, quando ele cumprimentou a todos, Allenda retribuiu o cumprimento, tal como os outros, logo guardando a flecha e cruzando o arco no peito.

O homem então se virou e apenas os conduziu para o encontro com os outros, que aguardavam sob as paineiras.

Subitamente tudo ficou muito tenso, quando Allenda sentiu que tocavam sua mente. Ante a ameaça de retaliação por parte dela, e consequentemente de todo o grupo, a tensão se dissipou quando aceitaram a condição de não tocar na mente de qualquer um deles.

E havia um, no meio deles, que chamou a atenção de todos: era um nefelin enigmático, com ares de ser altamente perigoso. Era um nefelin juruparináh/ellos.

Ilusores, era como se denominaram, e reconheciam que fora um grupo deles que atacara não só a família de Adanu, como dizimara inúmeras famílias, antes de serem mortos por Adanu e Allenda. E reconheceram que foram eles que providenciaram a limpeza da caveira vermelha, que as harpias haviam trazido das montanhas.

Uivo sorriu, entendendo, enfim, o que vieram fazer ali, ao procurá-los: Adanu conseguiu terras abertas por parte deles, enquanto abria as terras dos danatuás. Ele fora ali para conseguir aliados, que já haviam se mostrado como tal.

[1] Classe de guerreiros com poderes mentais. Vide ANEXO, ao final deste livro.

[2] Sobre essa passagem da caveira de cristal infectada, vide os volumes de “OS DANATUÁS”.

[3] Forma pensamento.

    people are reading<UMA ESTÓRIA DANATUÁ (ficção - português)>
      Close message
      Advertisement
      You may like
      You can access <East Tale> through any of the following apps you have installed
      5800Coins for Signup,580 Coins daily.
      Update the hottest novels in time! Subscribe to push to read! Accurate recommendation from massive library!
      2 Then Click【Add To Home Screen】
      1Click