《UMA ESTÓRIA DANATUÁ (ficção - português)》MERCATOR E O ARCANJO - primeira guerra entre anjos e demônios - segunda era

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Um ponto de luz domina na escuridão, mas, um ponto escuro desaparece na luz.

Mercator era um demônio[1] gigantesco, dono de um brilho escuro e perigoso quando envolto em uma batalha, ao qual até mesmo Trevas e Escuridão votavam respeito.

A qualquer um que se perguntasse, ninguém conseguiria explicar porque a fase mais importante da guerra acontecia ali, naquele planeta pequeno e desprezível com sua atmosfera terrível e seu cheiro imundo. Urântia, entenderam seu nome, e pouca importância lhe deram, apesar de, em seus íntimos, cismarem que havia algo diferente nele, como uma possibilidade de promessas sussurradas.

Mercator parecia pouco se importar com o ataque concentrado que vinha sofrendo. Seu corpo já mostrava sinais de profundos ferimentos, mas ele continuava resistindo, não se permitindo nem mesmo diminuir a intensidade de seus golpes. Morreria de exaustão, mas não esmoreceria. Era um guerreiro, e adorava guerrear. E aquela guerra cruel, a primeira entre anjos e demônios, era tudo o que queria. Toda sua essência, toda sua paixão estava ali, em se contrapor, em vencer, em destruir a luz que, em seu íntimo, sentia que o traíra e o abandonara em tempos muito recuados.

E que melhor lugar que aquele simples e desprezível planeta, em que tudo se precipitara? Ali, a expressão máxima da experiência, ali a expressão de como uma guerra seria para sempre.

Foi nesses dias que um anjo de grande poder foi traído por uma das caveiras de poder, uma das mutas, o que acabou por miná-lo até sua destruição, como a muitos outros.

E então ele apareceu, o grande anjo de poder. Um grande arcanjo se postou desafiador à sua frente.

A própria existência dele o enojava, a forma de se postar, de falar: havia uma arrogância e uma falsa bondade ali que o revoltava no mais íntimo de seu ser.

Os anjos e os demônios se afastaram. Havia uma aura de respeito ao redor dos dois, que se estudavam demoradamente, os dois girando devagar em torno de um imaginário centro.

De forma bruta, como se estivessem presos numa água que girava para dentro de um ralo, os dois foram se aproximando rapidamente, as armas à mostra, os olhos presos um no outro. O impacto explodiu sobre as montanhas, que foram abaladas até suas fundações assim que os dois se tocaram.

Trevas e Escuridão observaram com intenso prazer a tensa batalha dos dois, bem como todos os exércitos. Tudo estava momentaneamente parado. A arma do arcanjo e as garras de Mercator mostravam um poderoso halo de energia, as faces iluminadas se encarando em meio aos golpes terríveis. Um anjo e dois demônios que estavam muito próximos dos dois contendores foram fritados no ato, denunciados apenas por um grito.

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Após observarem os dois e marcarem uma distância de segurança, a guerra explodiu novamente.

O céu ameaçou incendiar-se, tal o poder dispendido pelos dois, que se perseguiam velozes e rasgavam montanhas revezando-se na perseguição um do outro.

Após vários enfrentamentos os dois se separaram, as armas denunciando profundas marcas do confronto, os corpos dos dois mostrando terríveis chagas.

Distantes eles ficaram um do outro, se estudando. Subitamente, como se um lesse o outro, se precipitaram para um enfrentamento que deveria ser definitivo. A explosão foi terrível. Quando o brilho da explosão se foi, nada mais havia por ali.

Nem Mercator nem o arcanjo puderam ser encontrados.

Três dias já haviam decorrido. Mercator observava o corpo corroído do arcanjo. Fizera um bom trabalho, reconheceu. Mas ele estava ali, ainda com aquele olhar de condescendência, caído como um trapo velho de encontro às pedras na face da montanha.

Levantou-se e aproximou-se com desdém, agachando-se à frente dele, os olhos presos nos dele. Algo, por mais que negasse, o atraia. Tinha uma curiosidade a respeito daquele ser.

- Será que ele consegue suportar mais? Será que ele tem forças para resistir mais um pouco?- se perguntou curioso.

Então, de forma temerária, tocou sua têmpora e se ligou a ele. Ficou intrigado ao ver que havia uma paz exasperante ali, apesar de tudo o que ele sofrera.

Mercator sorriu, decidido a tirar até mesmo isso dele.

Como um sonâmbulo desconsiderou os gritos de aviso que ecoavam dentro de sua mente, mandando que não fosse em frente com o que pretendia.

Devagar trouxe um naco de sua escuridão e começou a empurrá-la para dentro da mente do arcanjo. Um gemido baixo e sofrido lhe deu alegria e esperança; forçou um pouco mais. Não queria se apressar, não queria acabar com a sua felicidade de forma impensada.

Mas...

Com estranheza viu que a escuridão que instilara simplesmente sumira dentro do arcanjo. Distraído e alheio como um sonâmbulo por essa ocorrência não se apercebeu quando uma luz, fina como uma agulha e pequenina como uma mísera lasca, veio para si através da ligação que criara.

Quando seu espírito gritou em total desespero já era tarde demais.

Surpreso tentou se retirar, recuar, mas viu que era impossível. O arcanjo abrira os olhos e o fitava com poder. E havia aquela voz que parecia reconhecê-lo, que chamava por ele: “Mercator, Mercator, meu filho...”.

Com horror viu que a luz, tão frágil e pequenina, já o penetrava e o cegava.

Mercator se maldisse por não ter destruído aquele arcanjo, mas reconheceu que era tarde demais para recuar. E havia a sua curiosidade, que queria entender.

Então, como se estivesse indo para uma batalha, com força trouxe mais escuridão e a forçou, uma gigantesca cadeia de montanhas contra uma minúscula e desprezível fagulha de luz.

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Subitamente tudo explodiu em silêncio. Apenas existia luz e formas de luz, e uma neblina gentil que submergiu o mundo.

Na neblina em que estava havia algo mais, algo com cheiro de manhãs e luzes douradas de amanheceres e luzes suaves que convidavam a sorrir. Tentou rechaçar, mas sem imprimir muito poder, porque havia uma atração que não conseguia resistir. Havia a voz do vento e o brilho das estrelas além das nuvens, e havia um córrego murmurante correndo dentro de um vale arborizado. Tentou negar tudo o que via e sentia e se afastar. Em vão se esforçou a lembrar das batalhas e do ódio maravilhoso que sentia, se esforçou em lembrar do prazer em torturar das formas mais criativas o próprio arcanjo que parecia prendê-lo.

Foi só então que percebeu que estava preso em uma armadilha.

Um toque em sua mente, um comichão no peito. Compelido a olhar para o seu peito, lá se enterrou. Seu coração ainda batia lá, mas ele estava diferente. Havia alguém lá, perto dele, silencioso, encarando-o como uma ternura da qual já não se lembrava mais. “Nunca te deixei, nem deixarei” – ouviu a voz suave. E logo desconfiou quem seria aquele homem que parecia uma estátua viva, e seu coração pulsou forte e dolorido, e uma saudade há muito esquecida pareceu fazer seu coração chorar e se encolher. Como poderia ter ouvido aquilo, como poderia ter sentido que o amavam? Não sabiam que ele era um daemon? – sofreu, a agonia atingindo-o como nunca pensou que poderia.

Com os olhos tomados de dor procurou o local de onde vinha a voz, e lá não havia nada. No entanto viu algo brilhando solitário no chão, algo que pulsava num azul suave e abandonado, gentil como uma pequena flor que era.

Assustado se permitiu se perder em sua visão.

Ao abrir os olhos tirou sua atenção da carcaça do arcanjo, que agonizava. Com malévola atenção sentiu que dois demônios se aproximavam.

Tinha certeza de que eram enviados de Trevas e Escuridão, inconformados com sua falta.

Sem pensar, tomado de raiva insana pelo que experimentara, atacou com todo o ódio que conseguiu, desabando sobre eles toda sua frustração e confusão. Um deles escapou, mas o outro destruiu só em sua passagem. Desistiu de perseguir o outro e voltou para perto do corpo do arcanjo.

Ele morria, confirmou, não sabendo precisar se estava alegre ou triste com isso.

Agachou-se à sua frente novamente, prendendo seus olhos nos dele.

Confuso viu surgir um sorriso nos olhos e na boca do arcanjo.

- Você nem imagina,... – ouviu como um sussurro. - O mal nunca foi criado – o ouviu como uma brisa, enquanto se desfazia em luz que se derramou para o céu num pequeno e veloz filete.

Mercator ficou em transe, observando o local onde o arcanjo estivera. Sua mente estava presa nas frases, indo e voltando, lendo e relendo, cada vez mais se perdendo num círculo criado em si mesmo.

Lentamente olhou para o seu peito, que sondou desconfiado, perguntando-se se realmente ouvira Tupã ali alojado.

- Se o mal não existe, então o que é o mal que vejo? Então, os demônios, o que são? E eu... O que sou eu? QUEM SOU EU? – gritou para si mesmo, totalmente apavorado com a profundidade de sua danação que se descortinava.

O sobrevivente relatou ter achado Mercator num ninho escuro sobre uma alta montanha onde o sol não batia. Ele estava com o arcanjo, e parecia que o havia torturado demoradamente, e das formas mais terríveis, o que deixou Trevas e Escuridão deliciados. Mas, continuou o sobrevivente, a carcaça do arcanjo estava nos braços de Mercator, que tinha os olhos vagos e pensativos, e seu brilho não tinha mais a força e a loucura que o identificava.

Escuridão cismou sobre o relato. Mercator ter atacado seus emissários era algo, até mesmo, esperado. Mas, a atenção que o sobrevivente dissera que ele prestava ao arcanjo era preocupante.

Trevas, após avaliar toda a narrativa, mostrou toda sua frustração e raiva.

- As mentes deles se tocaram – Escuridão murmurou, tentando ver todas as implicações que isso poderia ter.

- Esse idiota – rilhou Trevas tomado de ódio - só pode ter tocado na mente do arcanjo, ou o arcanjo, se aproveitando de alguma brecha que o idiota deixou, tocou a mente de Mercator. Acho que ele não terá mais qualquer utilidade para nós...

- Mercator é Mercator; ele vai se recuperar – objetou Escuridão. – Depois que vencermos essa guerra nos preocuparemos com ele – sentenciou.

- Pois é, seria mais fácil se esse miserável estivesse aqui – falou, no exato momento em que viu um brilho ofuscante descer do céu e se abater sobre uma alta montanha, no nascente.

Quando ouviu gritarias contando que um anjo de poder nunca visto havia chegado, Trevas olhou para Escuridão, que olhava perplexo ao seu redor, agora vazio de seus exércitos e mesmo dos inimigos, porque apartados de todos eles se viram.

- Será que Trovão liberou um deles??? – assombrou-se Escuridão.

[1] Sobre anjos, demônios e mutas vide ANEXO, ao final deste livro.

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