《UMA ESTÓRIA DANATUÁ (ficção - português)》COMO NASCEM OS DEMÔNIOS - segunda era

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Eu olhei o tempo à frente, e descobri que eu nada poderia fazer para te impedir de ser o que escolheu ser.

O gigantesco ser baixou a cabeça, desesperado para assimilar tudo o que vinha em ondas gigantescas, assolando-o com tanta força que pensou que iria se desfazer em ondas de energia.

- Energia negra – sorriu com amargor.

Então houve uma concussão seca, um som puro de uma explosão, e ele se viu.

Ele era algo gigantesco, de milhares de anos-luz, ao mesmo tempo que desprezível frente à fonte de onde se destacara, ou fora destacado. Olhou à volta e viu outras centelhas como ele, feitas de luzes poderosas de miríades de cores, como torres poderosas e individuais, perturbadas como ele por estarem destacadas. Então, como se fossem apenas um corpo, olharam para o vazio à frente e sorriram.

E havia o Trovão lhes sussurrando incentivos: “Vão e experimentem, criem, sejam. Sintam a perda e o encontro, sintam a plenitude e o vazio, a confusão de não saber por onde ir, e o prazer de palmilhar o caminho, e a feliz paz de encontrar o caminho de volta para casa. Tenham prazer nisso, pois essa é a minha vontade, essa é a nossa vontade”.

Um suspiro de concordância percorreu a grande maioria, enquanto uma pequena parcela foi novamente assimilada pelo UM, por não ter se mostrado pronta. Os que permaneceram voltaram-se novamente para o vazio, os corações centelhas pulsando felizes. Em atendimento à vontade começaram a criar e a experimentar, e a se fragmentar milhões e milhões de vezes, cada vez se afundando mais e mais no que criavam ao diminuírem suas frequências, se distanciando conscientemente da fonte que é o UM.

Até que...

Iveagha odiava o comum, o normal, e tudo estava normal demais. Sentia falta de algo, de um desafio que desse valor a si mesmo e lhe desse incentivo para continuar.

Então algo se insinuou em sua mente, como se fosse um sussurro que insistia em lhe escapar.

Ficou em silêncio, cismando, até que conseguiu sustentar a linha.

Com lentidão se revestiu de energia se dando um corpo de luz, e se sentiu melhor, porque agora via que podia interagir de uma forma diferente com a própria energia das coisas que criavam.

Olhando ao lado viu que alguns de sua família de almas se adensaram ainda mais, e fez o mesmo. Por eras sem fim se aceitaram assim, e estavam felizes.

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Mas um dia...

Um de seus irmãos se adensou ainda mais, e para isso se deu um corpo de uma energia mais pesada, que vibrava em tons absurdamente baixos.

Como se possuídos de uma loucura cheia de energia muitos passaram a se fragmentar e a decair cada vez mais a energia que eram, diminuindo a vibração que os determinava.

Gritos de advertência ouviram, e desconsideraram, e cada vez menos ouviam quanto mais densos ficavam.

Pela sua vontade Iveagha distanciou uma parte de sua energia, e viu que quase toda a criação estava em suspense, observando, avaliando. E, acima de todos estava o Trovão, curioso sobre o que acontecia.

Incentivado voltou a atenção aos seus irmãos, e se adensou ainda mais, numa orgia louca.

Tomados de uma euforia imensa criaram um mecanismo, para romper de vez a ligação com o Trovão. Que experiência maior poderia haver?

E então o acionaram...

Foi como uma onda de choque silenciosa e oca quando, subitamente, tudo escureceu e uma dor imensa o tocou. Olhando em volta sentiu uma solidão e uma separação que nunca tinha sentido antes e ficou assustado.

Tomado de desespero sentiu que não fazia mais parte do Trovão, e que seus irmãos lhe eram estranhos, e também que toda a luz havia se ido.

Apavorado, sensação que ainda não conhecia, sentiu como se estivesse se afogando num líquido escuro e denso, longe da luz, longe e fora do alcance do UM.

Desesperado gritou de dor e elevou um grito de clemência ao alto:

- Pai Trovão, pai Trovão, por favor, não quero isso, não quero essa dor. Eu não sabia. Me deixe voltar, me deixe fazer parte novamente. Não quero ficar sozinho.

Com horror ouviu algaravias terríveis e hediondas de sons que o engolfavam e que não conseguia mais entender, por mais que se esforçasse. Eram vozes guturais que não entendia. Ondas de escuridão passaram a se mover à sua volta, gritando ofensas e impropérios, e a loucura o ameaçou.

Sabia, sem saber como, que muitos de seus irmãos estavam passando pela mesma situação. Procurando juntar forças os procurou, mas viu que estava sozinho naquela escuridão negra e cinza.

Subitamente uma voz fendeu aquele horror. Tomado de um desespero desmedido procurou a fonte. Mas, por mais que procurasse desesperadamente não a achou.

Então algo chegou à sua alma, e teve esperança e seu peito se encheu de felicidade, mesmo que embotada. Ante toda a ofensa e dor que se revolvia ao seu lado se pôs em silêncio, procurando ter certeza de que ouvira algo que só poderia ser o Trovão: “Nunca o abandonei, nunca o abandonarei. Tudo vai dar certo, confie! Nunca estará só...”. Com fúria procurou ainda mais desesperadamente pela fonte, por Trovão. Por um tempo longo demais o procurou, mas só havia aquela voz que se tornava cada vez mais sutil, até que parou. Com os olhos assustados havia a pergunta rondando sua alma, se não era ele mesmo se enganando, dizendo coisas que desejava ouvir.

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Horrorizado sentiu sua energia se adensar e a escuridão pesar ainda mais.

Sua energia pulsou fracamente no vazio que sentia em si mesmo.

- Estou só, mesmo que outros estejam comigo, eu sei agora – reconheceu, a atenção percorrendo a criação vazia, inóspita e escura.

Foi nesse dia que foi reconhecendo e dando nomes a sensações que o percorriam: medo, desamparo, solidão, tristeza, escuridão, vazio, e toda sorte de coisas pesadas e destacadas da luz. E viu que, mesmo que isso não lhe trouxesse algum alívio, o deixava de alguma forma confortável, ao se enganar que lhes obtinha controle.

Por fim sorriu resignado, acabando por aceitar o que era, se dizendo que por muito tempo se deixara enganar, ao acreditar em algo diferente.

Nesse momento viu novamente seus irmãos, escuros, alguns negros e alguns outros cinzas, alguns enormes e alguns pequenos, se revolvendo como trapos no ar, onde só o vermelho dos olhos de alguns e amarelo de outros se destacavam maldosos, cheio de rancor e poder.

- Que seja assim então – ouviu um de seus irmãos, um dos maiores, gritar para as imensidões tomado de dor dentro daquela terrível escuridão, como em um desafio ao deus que os havia traído. – Eu sou Trevas...

- E eu sou Escuridão – gritou um outro gigante que estava mais perto.

Como se hipnotizado ouviu os outros, trapos como ele, se nomeando, um a um, na voz dolorida e magoada. E os ouviu se chamarem de os abandonados na noite, os traídos.

Com uma dor na fonte de seu ser, onde pulsava seu pequeno coração centelha, do corpo que para si criara, olhou para os lados, buscando pela última vez uma luz que lhe desse esperança. Por longo tempo ficou esperando, ignorando as vozes de seus irmãos incentivando-o a cair ainda mais e de outros que se riam e debochavam de sua tola esperança. Por fim, baixou a cabeça, desamparado.

- Está na hora de aceitar que fui enganado por muito tempo, e que a traição foi a única certeza de que tenho. Por Iveagha fui chamado quando fui criado, mas, agora, Mercator me chamo, Mercator eu sou. A luz é o mal que escravizo, e contra ela eu sou – gritou levantando a cabeça e encarando com fúria os sóis que cintilavam na escuridão. – Demônio nasci, demônio sou pelos tempos... – gritou em desabafo, - e horror é tudo o que posso oferecer, porque é tudo o que eu sou.

Trovão virou-se para suas duas faces, Inti e Iraci, que estavam confusas com o que presenciavam.

- Temos que recuperá-los, trazê-los para nós – disse Inti, - acabar com o sofrimento que os possui. Eles acreditam que estão sozinhos, e esse sentimento é muito doloroso. E eles não estão conseguindo nos ouvir – lamentou.

- Acho que temos que deixá-los assim como estão – contrapôs Iraci. – Essa foi a escolha deles, eles mesmos criaram isso, individual e coletivamente.

Os dois deuses olharam para o Trovão, que se mostrava pensativo, avaliando o que havia acontecido.

- Não vamos deixá-los como estão, não porque essa foi a escolha deles, nem porque eles não sabiam o que estavam escolhendo experimentar, mas porque isso é novo; como também não vamos resgatá-los como seu amor determina, Inti, porque essa é uma experiência que deve ser levada avante, porque abriu imensas e intensas possibilidades. Eles devem continuar a experiência a que se propuseram, mesmo sem saber o que escolhiam, mas não estarão sós, nunca estarão, pois eles e nós somos apenas um. Somos nós, lá, no meio daquele vazio de nós. Demônios eles são, e são o equilíbrio aos anjos. Que iniciem a caminhada em direção à luz, em direção ao amor, única força e forma. A grande aventura começou, enfim – determinou o Trovão, satisfeito com o que se descortinava.

> Porém – cismou, a atenção fixa em um demônio, enquanto fazia surgir sem querer entre seus pés uma pequena flor azul - há um deles ali, que parece... Talvez... – cismou colhendo a flor e enraizando-a com extremo carinho em sua palma, fazendo surgir à sua frente um arcanjo e uma demiana.

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